ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #11
“Los Silencios”, “Seiva Bruta” e “Portuñol”: as fronteiras do Brasil no cinema nacional I “Amigo Secreto” em cartaz I “A Chorona” disponível em streaming
No mês em que se comemora o dia do cinema nacional (19/06), decidi chamar atenção para produções brasileiras que têm como cenário/contexto os Brasis das fronteiras. Esses Brasis que geralmente ignoramos, que escapam da nossa ideia de Brasil ainda que tenhamos em mente o fato de vivermos num país de dimensões continentais. Lugares situados entre limites geográficos, atravessados por pessoas, nacionalidades, culturas, contradições, experiências, poderes e interesses oficiais e paralelos…Territórios onde realidades se misturam criando outras novas, mais complexas, sempre aparentemente distantes do resto do Brasil. Por sorte, aí está o cinema para nos lembrar e aproximar dessas realidades.
Em 2019, por exemplo, Los Silencios (disponível para aluguel no Google Play) estreava nos cinemas. Dirigido pela brasileira Beatriz Seigner, o longa-metragem de ficção é ambientado na Amazônia da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Nele, Amparo (Marleyda Soto) e seus dois filhos estão em deslocamento: depois de perder o marido (Enrique Diaz) para a violência paramilitar, Amparo deixa a Colômbia e passa a viver numa pequena ilha amazônica brasileira. No entanto, a travessia de fronteira não garante que a protagonista deixe de ser seguida pelos fantasmas dos mortos e desaparecidos do passado ou pela ameaça da espoliação de terras. Além disso, no Brasil, Amparo inevitavelmente lida com a difícil tarefa de se adaptar sendo o outro social. É assim, através de um drama sobrenatural e social potente em alegorias e carregado em neon e silêncios, que Seigner fala sobre os assombros que transpassam os limites físicos das regiões fronteiriças do norte do país.
Maternidade e imigração são temas presentes também no curta-metragem Seiva Bruta (disponível na Apple TV), de Gustavo Milan. Finalista na disputa por uma indicação ao Oscar 2022 de Melhor Curta-Metragem de Ficção, o filme tem como protagonista uma mulher venezuelana que imigra para o Brasil com o objetivo de tentar dar uma vida melhor para a filha que deixou para trás. Em Manaus, vulnerável a golpes e toda sorte de violências, Marta (Samantha Castillo) é posta à prova ao se deparar com outra mãe precisando de ajuda com seu bebê.
Já no documentário Portuñol (disponível na MUBI), a jornalista Thais Fernandes percorre as fronteiras mais ao sul do país, olhando para essas regiões como zonas de integração, a partir dos significados do encontro do espanhol com o português. Rico em relatos, conversas e perspectivas, o filme, sempre focado no poder de adaptação da comunicação, fala com otimismo das relações interculturais, embora também discuta o fato de o Brasil, mesmo nas fronteiras, ainda manter-se de costas para o resto da América Latina.
Los Silencios, Seiva Bruta e Portuñol: um longa de ficção, um curta-metragem e um documentário. Três produções recentes do cinema brasileiro, três maneiras diferentes e complementares de olhar para os limites de nosso país. Três importantes recortes sobre os dilemas das fronteiras.
NOS CINEMAS
AMIGO SECRETO
Depois de registrar com riqueza de detalhes no documentário “O Processo” (disponível na Netflix) os bastidores das movimentações que culminaram no impeachment sofrido pela presidenta Dilma Rousseff em 2016, a premiada cineasta Maria Augusta Ramos volta a colocar em perspectiva fatos recentes da História do Brasil: dessa vez, o tema é a Operação Lava Jato, com foco na apuração jornalística (Vaza Jato) que revelou suas articulações escusas.
Lançado nos cinemas em 16 de junho, “Amigo Secreto” acompanha os efeitos do trabalho dos repórteres Leandro Demori (do The Intercept Brasil), Carla Jimenez, Regiane Oliveira e Marina Rossi (as três do El País Brasil) na política nacional.
Já em sua semana de estreia, o filme teve mais de 5 mil espectadores em todo país, o que o levou a aparecer na lista dos 10 lançamentos mais assistidos do período.
PARA ASSISTIR EM CASA
A CHORONA (Looke)
Popular em toda a América Latina e adaptada até pelo cinema hollywoodiano, a lenda da chorona é revisitada pelo diretor Jayro Bustamante em “La Llorona”, uma história que revira o passado histórico da Guatemala através do realismo mágico.
No filme, um exercício ficcional de memória, o general responsável pelo genocídio indígena praticado por militares no país na década 1980 escapa da justiça e passa a ser assombrado pelo fantasma de uma mulher que, na época, teve os dois filhos assassinados diante de seus olhos.
Crítica de “La Llorona” aqui
CHÃO DE FÁBRICA (Porta Curtas)
1979. As máquinas desligam para o horário do almoço dentro de uma metalúrgica do ABC Paulista. Quatro operárias comem dentro do banheiro feminino. Entre risos e conflitos, cada uma guarda o seu segredo.
Dirigido por Nina Kopko e protagonizado por Alice Marcone, Carol Duarte, Helena Albergaria e Joana Castro, o curta-metragem de ficção “Chão de Fábrica” se volta ao íntimo de quatro personagens que experienciam as greves dos trabalhadores do ABC, em plena ditadura militar, lidando também com desafios impostos pelo ser mulher. Através de suas conversas, discussões e interações, conhecemos cada uma dessas mulheres, como se fossem peças do quebra-cabeças de um tempo histórico observado dos bastidores.
Por ser finalista no Grande Prêmio de Cinema Brasileiro 2022, o filme está disponível gratuitamente no site Porta Curtas.
NOTÍCIAS
PALOMA
De Marcelo Gomes, mesmo diretor de “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar” (disponível na Netflix), o brasileiro “Paloma” faz sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Munique, que acontece de 23 de junho a 02 de julho.
Segundo a sinopse oficial do longa, Paloma é uma mulher trans que está decidida a realizar seu maior sonho: um casamento tradicional, na igreja, com o seu namorado Zé. Ela trabalha como agricultora numa plantação de mamão, e está economizando para pagar a festa. A recusa do padre em aceitar seu pedido obrigará Paloma a enfrentar a sociedade rural.
Marcelo Gomes, que assina o roteiro com Armando Praça e Gustavo Campos, conta que a ideia para o filme veio de uma notícia que leu no jornal. “Era sobre uma mulher transgênero que morava em uma pequena cidade do interior do Pernambuco, e cujo maior sonho era se casar em uma igreja católica, toda vestida de branco. A imagem ficou na minha memória por anos porque incorporava várias contradições em um único ato. Eu pensei que essa história singular deveria se tornar um filme.”
TRIBECA
Neste mês, dois filmes latino-americanos se destacaram no Festival de Tribeca (Nova York). O boliviano “El Visitante”, do diretor Martín Boulocq, recebeu o prêmio de Melhor Roteiro na competição internacional do Festival. Além disso, essa foi a primeira vez que a Bolívia teve um representante competindo no evento. Coproduzido por Bolívia e Uruguai, “El Visitante” conta a história de um ex-presidiário chamado Humberto que ganha a vida cantando em velórios. Seu maior desejo é poder restabelecer uma relação com sua filha, mas os avós da menina, pastores evangélicos ricos, não estão dispostos a abrir mão da guarda de sua única neta.
Já a diretora mexicana Michelle Garza Cervera conquistou os prêmios Nora Ephron e Melhor Nova Direção Narrativa com “Huesera”, seu primeiro longa-metragem. Na trama, Natalia Solián interpreta Valeria, uma mulher que está há algum tempo tentando engravidar. Quando a confirmação da gravidez finalmente acontece, Valeria passa a ser visitada por uma estranha presença. A partir de então, essa sinistra entidade coloca em risco as vidas da mãe e do bebê, obrigando a protagonista a revisitar seu passado.
EL CONDE
A Netflix anunciou o início das gravações do novo filme do diretor chileno Pablo Larraín, previsto para estrear em 2023. Trata-se do longa-metragem “El Conde”, uma comédia ácida que transforma o ditador Augusto Pinochet em um vampiro de 250 anos que, afetado pelos anos de desonra de sua figura, está decidido a morrer.
Larraín também assina o roteiro ao lado de Guillermo Calderón, com quem já havia trabalhado em filmes como “El club” e “Neruda”. Em ADN Radio
LA JAURÍA
O colombiano “La Jauría”, primeiro longa-metragem de Andrés Ramírez Pulido, recebeu dois prêmios em Cannes 2022: o SACD de Melhor Roteiro, entregue pela associação de autores da França, e o Grande Prêmio da Semana de Crítica, dedicado a reconhecer novos talentos
Na história, Eliú (Jhojan Estiven Jimenez) é um jovem camponês que está preso num centro experimental de reabilitação para menores localizado no meio da selva tropical, por um crime que cometeu. Ali, o protagonista leva um cotidiano de terapias em grupo que pouco parecem transformar sua realidade.
Rodado em Ibagué, onde Ramírez Pulido vive há vários anos e onde ele encontrou os jovens atores da produção, o filme se dedica a olhar para os problemas enfrentados pela juventude em zonas vulneráveis à ciclicidade da violência.
BEM-VINDA, VIOLETA!
O roteirista, produtor e diretor Fernando Fraiha ganhou o Spirit Award na categoria Longa-Metragem de Ficção na 25ª edição do Brooklyn Film Festival, que aconteceu de 3 a 12 de junho, em Nova York. O prêmio é resultado do trabalho de Fraiha no filme “Bem-vinda, Violeta!”, filmado em Ushuaia, na Patagônia argentina, e inspirado no romance “Cordilheira", de Daniel Galera.
Protagonizado pela brasileira Débora Falabella e pelo argentino Darío Grandinetti (“Fale com Ela”; “Rojo”), o filme conta a história de Ana (Falabella), uma jovem ansiosa para completar seu romance “Violeta” sob a supervisão de Holden (Grandinetti), um famoso ex-escritor que abandonou sua carreira e fundou um conhecido laboratório literário nas profundezas da Cordilheira dos Andes.
De acordo com a sinopse, Ana, ao longo de sua estadia no laboratório, se familiariza cada vez mais com os métodos de Holden, que exigem que os escritores abandonem suas próprias identidades e vivam emocional e psicologicamente como seus personagens. Cativada por sua investigação artística, Ana mergulha totalmente no método e passa a viver como Violeta, até perder o controle da ficção.
OUR BODIES ARE YOUR BATTLEFIELDS
O francês Our Bodies Are Your Battlefields chegou ao catálogo brasileiro da MUBI em 22 de junho, como parte da programação dedicada pela plataforma ao Mês do Orgulho LGBTQIA+.
Dirigido por Isabelle Solas e ambientado numa Argentina onde as forças do conservadorismo e as forças da nova onda feminista seguem em constante disputa, o documentário acompanha as vidas íntimas e políticas de Claudia e Violeta, duas importantes vozes da comunidade trans e travesti no país.
E por falar em MUBI Brasil…
Criei uma lista do “Era Uma Vez na América Latina” onde indico alguns dos filmes latinos que estão disponíveis no serviço. Clique aqui e confira