ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #9
8M: As histórias que as mulheres latino-americanas contaram e protagonizaram no cinema no último ano.
Alguns dos filmes latino-americanos de maior repercussão dos últimos meses têm mulheres na frente ou atrás das câmeras. Do norte ao sul das Américas, profissionais do audiovisual contaram histórias que conquistaram a crítica e o público, acumulando prêmios ao redor do mundo. São obras de diferentes gêneros e formas, que falam de diferentes realidades e contextos, protagonizadas por diferentes mulheres. Produções que têm em comum a diversidade dos femininos, e que juntas compõem um rico panorama sobre a região e os olhares do cinema local contemporâneo.
MÉXICO
No México, por exemplo, o tema dos desaparecimentos esteve presente em Sin Señas Particulares, de Fernanda Valadez, e em Noche de Fuego, de Tatiana Huezo. O primeiro marca a estreia de Valadez como diretora e conquistou nove estatuetas na edição 2021 dos prêmios Ariel (o Oscar do cinema mexicano). Na trama, uma mãe procura pelo filho que desapareceu enquanto tentava cruzar a fronteira com os EUA. Respondendo perguntas difíceis de serem respondidas, a diretora assume o desafio de, através da peregrinação da protagonista, destrinchar como acontecem e o que são os desaparecimentos no México.
Já a salvadorenha-mexicana Tatiana Huezo teve seu mais recente trabalho escolhido como representante do país no Oscar de filme internacional. Feito que ela já havia alcançado em 2017, quando também se tornou a primeira mulher a ganhar o prêmio Ariel de direção pelo documentário Tempestade (disponível a partir de 28 de abril na MUBI Brasil). Noche de Fuego é ambientado mais ao sudoeste do país, nas montanhas de Guerrero, e ficcionaliza o horror e a tensão que vivem as comunidades dos territórios dominados pelas milícias. Apesar de ter o processo de amadurecimento de três garotas pré-adolescentes que vivem em condições austeras como elemento fundamental, o que o caracterizaria como um coming-of-age, o filme também é poderoso no retrato dos desaparecimentos como violência iminente e sistemática. Postos lado a lado, portanto, Sin Señas Particulares e Noche de Fuego tornam-se complementares a respeito de como o problema dos desaparecimentos forçados atinge diferentes partes do México. (Crítica de Noche de Fuego aqui).
Maternidade e imigração são temas que se repetem no também mexicano Los Lobos. Indicado ao Goya de melhor filme ibero-americano, o longa tem como protagonista uma mãe solo (Martha Reyes Arias) que faz jornadas triplas de trabalho em Albuquerque (EUA) para ter como manter seus dois filhos pequenos. Inspirado em sua própria experiência de criança imigrante que chegou aos EUA com a mãe e o irmão, criador da trilha sonora do filme, o diretor mexicano Samuel Kishi conta em Los Lobos uma espécie de fábula sobre a maternidade e a infância em situação de deslocamento. (Crítica aqui)
COSTA RICA
Do Caribe costarriquenho vem Ceniza Negra, o coming-of-age dirigido por Sofia Quirós, única mulher a competir na Semana da Crítica do Festival de Cannes em 2019. Nele, uma garota de 13 anos que perdeu a mãe muito cedo começa a experienciar a entrada na adolescência enquanto cuida do avô octogenário que está prestes a morrer. A protagonista é interpretada pela fantástica e cativante Smashleen Gutiérrez, responsável por grande parte da naturalidade com que o filme transita entre o doce e o amargo do amadurecimento, entre o fantástico e o mundano.
VENEZUELA
Escolhido como representante da Venezuela no Oscar 2022, Un Destello al Interior conta a história de Silvia (Jericó Montilla), uma mulher sozinha que padece de uma doença grave e procura desesperadamente por uma solução para garantir o futuro de sua pequena filha. Focando nas sensações físicas e emocionais da protagonista, com um país que também padece gravemente como cenário, o filme leva a solidão da maternidade ao limite da tragédia.
PERU
Mais abaixo no mapa está O Fio Invisível, dirigido pela peruana Claudia Llosa, grande nome do cinema latino-americano, e adaptado do romance Distância de Resgate, de Samanta Schweblin. O filme, um suspense atmosférico arrebatador, se passa no interior da Argentina, próximo aos campos de monocultura de soja, e aborda disfuncionalidades da maternidade e os terrores causados pelo uso desmedido de agrotóxicos na vida daqueles que vivem nos arredores das plantações (crítica do filme aqui).
CHILE
O musical também marcou presença em grande estilo na produção latina recente com Lina de Lima, dirigido pela chilena María Paz González. A personagem-título, interpretada por Magaly Solier, é uma mulher que deixou a família no Peru para trabalhar como empregada doméstica de uma família rica no Chile. Às vésperas do natal, porém, Lina percebe que sua ausência já não é mais tão sentida por aqueles que deixou em seu país natal. A partir daí, a personagem tenta se redescobrir e encontrar o equilíbrio diante de uma vida dividida. Aqui, as performances musicais funcionam como escape para as reflexões de Lina.
BRASIL
O Brasil soma mais um coming-of-age à lista: Meu Nome é Bagdá, de Caru Alves de Souza (entrevista com a diretora aqui), conta a história de uma jovem skatista da periferia de São Paulo e sua jornada de amadurecimento pessoal e busca por pertencimento num esporte/comunidade que ainda é majoritariamente considerado masculino.
Além de Meu Nome é Bagdá, merecem destaque o documentário Chão, de Camila Freitas, que acompanha de perto o dia a dia de uma ocupação do Movimento Sem Terra na Usina Santa Helena, em Goiás, e Ana. Sem Título, filme de Lúcia Murat que mistura fatos e ficção percorrendo toda a América Latina em busca de uma artista que espalhou rastros por diversos países durante as ditaduras militares do continente e depois desapareceu.
Fazendo um balanço geral, parece que as contradições da maternidade e do crescimento e questões sociopolíticas envolvendo territórios são os temas que mais envolveram as mulheres dos títulos reunidos.
* Esses filmes chegaram ao público brasileiro entre 2021 e 2022, em festivais ou comercialmente.
ONDE ASSISTIR AOS FILMES MENCIONADOS
ANA.SEM TÍTULO - Disponível na Apple TV e na programação dos canais Telecine
CENIZA NEGRA - Disponível no Prime Video
CHÃO - Disponível para aluguel e compra no Google Play
LINA DE LIMA - Disponível na MUBI Brasil
LOS LOBOS - Disponível na HBO Max
MEU NOME É BAGDÁ - Filme lançado nos cinemas e ainda não disponível em streaming
NOCHE DE FUEGO - Disponível na Netflix
O FIO INVISÍVEL - Disponível na Netflix
SIN SEÑAS PARTICULARES - Disponível no Prime Video
UN DESTELLO AL INTERIOR - Ainda sem previsão de estreia comercial no Brasil
RECOMENDAÇÕES DE LEITURA
“As cineastas mexicanas ganham visibilidade” - Em The New York Times
Mulheres que fazem história no cinema costarriquenho - Em La Republica