ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #25
Indicado ao Goya 2024 de melhor filme ibero-americano, Puan estreia no Brasil/ Coprodução peruana-dominicana em cartaz/ Mostra Mulheres Pioneiras na Cinemateca Brasileira
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CRÍTICA: PUAN
Marcelo (Marcelo Subiotto) e Rafael (Leonardo Sbaraglia) estudaram juntos quando jovens, mas construíram carreiras completamente opostas. Enquanto o primeiro dedicou toda sua vida a ensinar filosofia na Universidade Pública de Buenos Aires (UBA), na rua Puan, o outro seguiu carreira internacional e tornou-se nome badalado na academia.
Seus destinos voltam a se cruzar quando o professor Caselli, chefe de Marcelo, morre de repente, deixando o cargo vago. Marcelo, claro, imagina que deve assumir a responsabilidade de dar continuidade ao legado de seu amigo e mentor assumindo suas aulas. O problema é que depois de uma temporada lecionando na Alemanha, Rafael Sujarchuk está de volta à Argentina e também parece disposto a concorrer ao cargo de Caselli.
Dos contrastes entre esses dois adversários se desenvolve a comédia dramática Puan, longa argentino escrito e dirigido por María Alché (diretora de Familia Sumergida, de 2018, e protagonista de A Menina Santa, de 2004) e Benjamín Naishtat (Historia del Miedo, 2014) e indicado ao Goya 2024 de Melhor Filme Ibero-americano.
De um lado, Marcelo, sujeito tímido, reservado, que para pagar as contas se desdobra ensinando filosofia na universidade pública, num projeto socioeducacional nas periferias e nas aulas particulares de uma senhora milionária. Do outro, Rafael, um tipo meio carismático, meio pedante, frequentador de muitos círculos intelectuais e manchete de fofocas desde que começou a namorar com a famosa atriz Vera Motta (Lali Espósito).
São dois mundos diferentes colidindo num filme que aborda com muito bom humor os embates dos egos acadêmicos e os perrengues enfrentados por quem trabalha e estuda em universidades públicas.
Essa é, aliás, a primeira vez que Alché e Naishtat se aventuram pela comédia. E a empreitada conjunta resulta bastante positiva, já que a comédia de situação vai dando forma e unidade ao interesse que Alché já havia demonstrado em Familia Sumergida pelos processos de luto que são atropelados pelas demandas da vida e à maneira como Naishtat costuma explorar comportamentos da classe média argentina.
Como que em longas esquetes, então, o filme apresenta com dinamismo e boas doses de existencialismo situações e personagens que juntos configuram esse microcosmo acadêmico portenho tão particular quanto comum.
Puan é um filme vívido. Bem sucedido em contrapor o glamour do carisma de Rafael com o desinteressante ou rotineiro da vida de Marcelo, competente na articulação do universo Puan junto ao macro das cíclicas crises políticas e econômicas do país. Um filme que se destaca especialmente pelos encantos de uma gama de personagens que sempre surpreendem sendo cheios de defeitos e qualidades, imprevisíveis e contraditórios.
Em cartaz desde 7 de novembro nos cinemas brasileiros.
NOS CINEMAS
O ANO DO TIGRE
Entre o absurdo, o gore e a farsa, O Ano do Tigre, uma coprodução do Peru com a República Dominicana, conta a história de Samsa (Carlos Alcántara) e Wen (Nashla Bogaert), proprietários de um restaurante chinês que está prestes a falir. Decididos a não perder o estabelecimento que Wen herdou de seu avô, o casal passa a enfrentar todo tipo de chantagens e golpes.Conforme avança, o filme se propõe a contar também a história de uma mulher que depois de muito aturar começa a deixar de ser subserviente.
Apesar de falhar ao se vender apenas como comédia e de ficar devendo algum aprofundamento dos personagens, especialmente de Wen, O Ano do Tigre ganha pontos pelo exercício de mistura de gêneros. Dirigido por Yasser Michelén e escrito por José Ramón Alama.
PEDÁGIO
Pedágio, segundo longa da carreira de Carolina Markowicz (Carvão, 2022), está em cartaz nos cinemas desde 30 de novembro. Nele, uma atendente de pedágios (Maeve Jinkings) inconformada com a orientação sexual do filho comete delitos na tentativa de conseguir dinheiro para financiar a “cura gay” do jovem.
PROPRIEDADE
Para se proteger de uma revolta dos trabalhadores da fazenda de sua família, Tereza (Malu Galli) se esconde em seu carro blindado. Do lado de fora do veículo, trabalhadores que chegaram ao limite da exploração exigem seus direitos sobre a terra pela qual trabalharam toda uma vida. Do lado de dentro, uma mulher que tem medo.
No longa pernambucano Propriedade, de Daniel Bandeira, o comentário social sobre classe e direito à terra é contundente e caminha lado a lado com um suspense alucinante, no qual a incomunicabilidade e a violência escalam junto a uma sucessão de dilemas morais.
O filme estreia em 21 de dezembro pelo projeto Sessão Vitrine Petrobras.
NO STREAMING
MUBI
Os Delinquentes e Um Mundo Misterioso
A partir de 15 de dezembro será possível assistir na MUBI ao longa Os Delinquentes, representante da Argentina no Oscar 2024. Dirigido por Rodrigo Moreno, nome importante do chamado “novo cinema argentino”, o filme tem como protagonistas dois homens que decidem escapar da rotina medíocre a que estão condenados por toda a vida roubando o banco onde trabalham. Crítica de Os Delinquentes na edição #22
Um pouco antes, no dia 12, a MUBI disponibiliza outro longa de Moreno: Um Mundo Misterioso, de 2011, sobre um homem que se sente perdido quando a namorada pede um tempo do relacionamento e acaba embarcando em uma jornada urbana errática.
Incompatível com a Vida
Já está disponível no catálogo da MUBI o documentário Incompatível com a Vida, vencedor do prêmio de melhor longa-metragem do É Tudo Verdade 2023 e por isso qualificado para concorrer ao Oscar.
Nele, Eliza Capai discute o direito de escolha ao aborto no Brasil a partir de sua propria gravidez frustrada e de experiências de outras mulheres que interromperam a gravidez ou seguiram a gestação de fetos diagnosticados como incompatíveis com a vida (Ler edição #24)
NOTÍCIAS
DIRETORAS LATINAS NAS LISTAS DE MELHORES DO ANO
Dois filmes latinos dirigidos por mulheres têm aparecido nas listas de melhores do ano. Tótem, da mexicana Lila Avilés, escolhido como representante do México no Oscar 2024, foi eleito pela Vanity Fair como o 11º melhor filme do ano. Nele, Avilés conta a história de uma menina de sete anos que está passando o dia na casa do avô, às vésperas da festa surpresa que a família está planejando para ele. Nesse dia, a pequena Sol percebe que a vida que conhecia até então está a ponto de mudar drasticamente.
O outro filme que tem chamado atenção é Trenque Lauquen, da argentina Laura Citarella, eleito pela tradicional revista francesa Cahiers du Cinéma como o melhor filme do ano. Com 4h20 de duração e ambientado em Trenque Lauquen, povoado que fica a 500 km de Buenos Aires, em meio aos pampas argentinos, o longa protagonizado por Laura Paredes combina diversos gêneros cinematográficos para contar uma história que a princípio gira em torno do desaparecimento de uma mulher e de como dois homens que a amam vão procurar por ela.
MOSTRA MULHERES PIONEIRAS NO CINEMA
Entre os dias 6 e 17 de dezembro, a Cinemateca Brasileira apresenta a mostra Mulheres Pioneiras no Cinema, trazendo obras de cineastas que ajudaram a construir a linguagem audiovisual nas primeiras décadas do século passado, mas foram historicamente invisibilizadas e esquecidas.
A mostra faz parte do Projeto Viva Cinemateca, lançado em junho, que reúne os grandes projetos da Cinemateca Brasileira voltados à recuperação de importantes acervos, além da modernização de sua sede e infraestrutura técnica.
Compõem a programação obras raras de diretoras latinas, como El pañuelo de Clarita (1919), da argentina Emilia Saleny; os documentários Las Naciones de America (1927) e El Stati De Santiago Del Estero (1927), da argentina Renée Oro; e o drama mexicano La Mujer de Nadie (1937), de Adela Sequeyro.
Acesse o site da Cinemateca para conferir a programação completa da mostra.
Contato e PIX: eraumavez.americalatina@gmail.com