ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #29
VUELVEN: o filme de terror da mexicana Issa López, showrunner de “True Detective” / "Los Colonos" na Mubi/ "Sem Coração" nos Cinemas/ "Frida" no Prime Video
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VUELVEN: O FILME DE TERROR DA MEXICANA ISSA LÓPEZ
Muito se comentou sobre o trabalho de Issa López como showrunner da quarta temporada da série “True Detective”, mas o que nem tanta gente deve saber é que a mexicana dirigiu e roteirizou um longa de terror em 2017, com o qual se tornou a primeira mulher a ganhar o prêmio de Melhor Direção na categoria de Horror Feature no Fantastic Fest, um dos festivais de cinema fantástico mais prestigiados do mundo.
Intitulado “Vuelven” (“Os Tigres Não Têm Medo”, em português) e considerado por Guillermo del Toro como um dos melhores filmes de terror da década de 2010, o longa se desenvolve como um conto de horror protagonizado pelos filhos dos mortos e desaparecidos do México, crianças assombradas pelos fantasmas daqueles que se foram e caçadas pela violência dos vivos - dados de 2023 da organização Tejiendo Redes Infancia calculam aproximadamente 160 mil crianças e adolescentes órfãos no México, vítimas das desaparições forçadas de seus pais.
Na trama, ambientada nesse contexto da crise de desaparecidos, Estrella (Paola Lara) é uma garota de 10 anos que vive com a mãe (Viviana Amaya) e frequenta a escola com alguma normalidade - a normalidade possível diante de um cotidiano brutalizado, repleto de tiros e cadáveres, num lugar dominado pelo crime organizado e pela corrupção.
Um dia, porém, sua mãe não volta para casa e sua vida muda bruscamente. Apegada aos contos de fada que escrevia nas redações escolares, a menina acredita poder fazer três pedidos. Ela então deseja em primeiro lugar que a mãe regresse. O desejo se cumpre, mas não como a menina esperava: a mãe está morta, e inquieta.
Assustada, sozinha e desamparada, Estrella passa a viver com o grupo de meninos órfãos liderados por Shine (Juan Ramón López). Juntos eles tentam sobreviver às ruas e à gangue conhecida como Los Guascas, um grupo de narcotraficantes envolvidos com tráfico humano e liderados por um sujeito em campanha eleitoral.
Combinando o terror e a fantasia, “Vuelven” se dedica a criar um universo obscuro onde o perverso do realismo se mescla ao horrível do desespero sobrenatural daqueles que nunca conseguem justiça. Vez ou outra, esse universo sofre intervenções do lúdico da imaginação infantil.
“Vuelven” não estreou comercialmente no Brasil.
NOS CINEMAS
UMA FAMÍLIA FELIZ
Em “Uma Família Feliz”, dirigido por José Eduardo Belmonte e roteirizado por Raphael Montes, Eva (Grazi Massafera) e Vicente (Reynaldo Gianecchini) parecem levar uma vida digna de um comercial de televisão: são bonitos, de classe média alta, performam uma família perfeita e feliz em sua bonita casa de condomínio com seus bonitos filhos.
Tudo desmorona, porém, quando Eva, vivendo uma depressão pós-parto, é acusada de machucar suas filhas gêmeas (Luiza Antunes e Juliana Bim) e o bebê recém-nascido.
Com uma atuação robusta de Grazi Massafera, esse thriller social e dramático acompanha uma mulher que durante a gestação começa a se perceber à margem da tal família perfeita, invisibilizada como mulher, profissional, indivíduo. Invisibilizada em todo seu trabalho de cuidado. Cansada da obrigação de continuar performando beleza e leveza.
Então, ao passo em que o desconforto de Eva aumenta, especialmente diante da postura imperturbável do marido, um tipo bastante básico, a ambientação de peça publicitária do cotidiano familiar dá lugar a representações do quanto as opressões da maternidade pesam sobre os ombros da protagonista.
Para o final, uma cena pós-créditos garante a característica assinatura Raphael Montes no manipular do suspense: numa ligeira reviravolta, a percepção do espectador sobre os rumos da narrativa é travessamente provocada. Estreou em 4 de abril.
AS LINHAS DA MINHA MÃO
Dirigido por João Dumans, codiretor de “Arábia” (2017), “As Linhas da Minha Mão” acontece a partir de uma série de encontros entre o cineasta e a artista Viviane de Cássia Ferreira, atriz do núcleo Sapos e Afogados, um dos grupos teatrais mais importantes do Brasil na área de criação e saúde mental.
Diante da câmera, Viviane, que convive desde os 30 anos com o diagnóstico de Transtorno Bipolar, transborda os limites da ficção e do documentário e se abre num fluxo de consciência viciante sobre a vida, seu trabalho e sua própria experiência com a loucura.
“Minha questão em relação à Viviane, minha percepção e fascinação por ela, estão muito relacionadas à clareza e a precisão com que ela é capaz de articular certas ideias sobre a vida e sobre a loucura. Com o seu poder de síntese e de explicação de realidades e estados emocionais complexos. Coisas que me parecem ser bem difíceis de formular. Seja em relação à loucura, à solidão, a questões afetivas e sexuais”, explica Dumans no material que foi divulgado à imprensa.
Filme vencedor da Mostra Aurora do Festival de Tiradentes de 2023. Estreou em 11 de abril.
SEM CORAÇÃO
Ambientado no verão de 1996, no litoral de Alagoas, “Sem Coração", primeiro longa-metragem dirigido pela dupla Nara Normande e Tião, acompanha as últimas semanas de Tamara (Maya de Vicq) na vila pesqueira onde mora. Acontece que a jovem está prestes a partir para estudar em Brasília, deixando para trás a casa dos pais, seu grupo de amigos, a rotina leve e relaxada que levava desde a infância entre a casa da família, a areia e o mar.
Um dia, ela ouve falar de Duda (Eduarda Samara), uma adolescente apelidada de "sem coração" por causa de uma cicatriz que tem no peito. A atração crescente por essa menina misteriosa embala os dias de despedida de Tamara.
Com encantamento, afeto e até algo de fantasia, os diretores revisitam e aprofundam, agora em longa-metragem, narrativas que já haviam trabalhado juntos em um curta homônimo de 2014 e no curta de animação “Guaxuma”, de 2018 (disponível no Vimeo).
Então, a partir de Tamara, de seu descobrir e de suas experiências, de sua relação com a mãe (Maeve Jinkings), com os diversos amigos e com uma primeira paixão curiosa (também uma espécie de fixação sobre aquilo que destoa do mundo que conhecia), o filme molda diante do espectador os espaços sociais e físicos desse litoral alagoano, os fardos e as belezas do crescer em Guaxuma.
Um coming-of-age que se beneficia especialmente do magnetismo de um elenco extremamente carismático e entrosado e da nostalgia com que os diretores se referem à praia de Guaxuma.
“Sem Coração” é a estreia de abril da Sessão Vitrine Petrobras, projeto da Vitrine Filmes que lança filmes nos cinemas com ingressos a preços reduzidos.
Em cartaz desde 18 de abril.
NO STREAMING
MUBI
LOS COLONOS
No Chile do início do século XX, José Menéndez (Alfredo Castro), um poderoso oligarca espanhol a quem tanto o Estado chileno como o Estado argentino cederam uma enorme quantidade de terras para ocupação e exploração, contrata três homens para delimitar o perímetro de sua extensa propriedade e abrir uma rota para a expansão de sua criação de ovelhas que chegue até o Oceano Atlântico através da Patagônia.
Em “Los Colonos”, seu primeiro longa-metragem, Felipe Gálvez realiza um épico brutal que revisita a história do genocídio do povo Selknam, na Terra do Fogo, no extremo sul da América do Sul, através da expedição dos três homens que têm como missão “limpar” e delimitar as terras de Menéndez: um tenente inglês (Mark Stanley), um mercenário estadunidense (Benjamin Westfall) e o guia Segundo (Camilo Arancibia), um chileno mestiço que se torna cúmplice involuntário do extermínio indígena.
Numa narrativa episódica, onde o olhar histórico e o faroeste se encontram, Gálvez expõe duramente a violência da formação da nação chilena, forjada na matança, nos massacres, a partir do sangue, da tortura e do apagamento dos povos nativos daquelas terras. A violência de um processo de colonização que nunca cessou. Que foi se transformando com o passar dos anos, mas não por isso deixou de ser violento.
Ao mesmo tempo, a rotina dos três homens em expedição, seus encontros e contradições, revela um universo de masculinidades frágeis e perversas. Nesse universo, as mulheres não são protagonistas, mas são delas as cenas mais significativas sobre as relações de poder no Chile dos anos 1900.
“Los Colonos” representou o Chile no Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional.
NETFLIX
DESCANSE EN PAZ
Sérgio (Joaquín Furriel) está afundado em dívidas, com a empresa falindo e sendo ameaçado por um agiota para quem também deve muito dinheiro. Sem ter a menor ideia de como resolver seus problemas e com vergonha da esposa e dos filhos, o protagonista de “Descansar en Paz” (“Descanse em Paz”, em português) decide se aproveitar de uma ocasião inesperada do destino para garantir o futuro de sua família. Com o passar do tempo, porém, Sérgio percebe que acabou pagando um preço alto demais para se livrar de seus problemas. É então que o personagem decide acertar contas com o passado para finalmente deixar para trás seu constante estado de alerta.
Dirigido por Sebastián Borensztein (“A Odisseia dos Tontos”, 2019), o filme se mostra bastante prático, consciente da história que pretende contar, de que caminhos pretende percorrer para contá-la e de que sentimentos pretende explorar. Acaba fazendo falta, no entanto, uma maior profundidade na composição dos personagens. Falta que nos envolvamos com eles, que nos importemos com o suspense sobre seus destinos.
PROPRIEDADE
Para se proteger de uma revolta dos trabalhadores da fazenda de sua família, Tereza (Malu Galli) se esconde em seu carro blindado. Do lado de fora do veículo, trabalhadores que chegaram ao limite da exploração exigem seus direitos sobre a terra pela qual trabalharam toda uma vida. Do lado de dentro, uma mulher que tem medo.
No longa pernambucano “Propriedade”, de Daniel Bandeira, o comentário social sobre classes e direito à terra é contundente e caminha lado a lado com um suspense alucinante, no qual a incomunicabilidade e a violência escalam junto a uma sucessão de dilemas morais que desafiam o espectador. Do início ao fim, o filme se permite ser um exercício de formato e gênero e se permite causar diferentes reações. Nele, os maniqueísmos são deixados de lado e a tensão é protagonista.
NOTÍCIAS
DOCUMENTÁRIO SOBRE FRIDA KAHLO NO PRIME VIDEO
“Frida”, documentário dirigido por Carla Gutiérrez, uma peruana que atualmente vive nos EUA, estreou em 14 de março no Prime Video. Trata-se de uma obra sobre a artista latino-americana mais reconhecida e venerada de todos os tempos, hoje reconhecida como ícone feminista e símbolo da identidade mexicana.
Um filme que pretende apresentar o universo íntimo da artista ao espectador. Realizado a partir da biografia escrita por Hayden Herrera e de suas próprias palavras, extraídas de cartas, ensaios, entrevistas e passagens de seu diário pessoal.
“Fui uma de provavelmente milhões de pessoas no mundo que se obcecaram por ela. Quando descobri a pintura onde ela aparece parada entre EUA e México [”Autorretrato en la frontera”], simplesmente vi que minha própria experiência estava refletida”, comentou a cineasta em entrevista ao The Hollywood Reporter.
O longa teve sua estreia mundial em janeiro deste ano, no Festival de Sundance, um dos eventos mais importantes do cinema independente, e ali recebeu um prêmio de edição. O uso de animação ao estilo Frida Kahlo também recebeu elogios. Em Infobae
A HORA DA ESTRELA NA SESSÃO VITRINE PETROBRAS
Depois de digitalizar e lançar “Durval Discos”, de Anna Muylaert, a Sessão Vitrine Petrobras anuncia a digitalização e lançamento de um dos maiores clássicos do cinema nacional: “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral, que em 1985 recebeu o Urso de Prata de Melhor atriz no Festival de Berlim para a atriz paraibana Marcélia Cartaxo.
Baseado em um dos livros mais vendidos e cultuados da autora Clarice Lispector, o filme acompanha a jovem Macabéa, uma nordestina datilógrafa que encontra um namorado em São Paulo e sonha com a felicidade.
“Graças ao patrocínio da Petrobras é possível incluir filmes de patrimônio entre os lançamentos da Sessão Vitrine Petrobras, resgatando a memória do audiovisual nacional e favorecendo a formação de uma cultura cinematográfica baseada em referências brasileiras, ação essencial para a valorização do nosso cinema.”, afirma Silvia Cruz, criadora do projeto e sócia fundadora da Vitrine Filmes.
“A Hora da Estrela” estreia em 16 de maio nos cinemas, com ingressos custando até R$20,00.
MANUAL CONTRA ESTEREÓTIPOS LATINOS PARA CINEASTAS DE HOLLYWOOD
A Coalición Nacional de Medios Hispanos, que vê com preocupação a recorrência de personagens latinos traficantes de drogas, trabalhadores de serviços e mulheres hipersexualizadas, criou um manual contra estereótipos latinos para cineastas de Hollywood.
A iniciativa, intitulada “Ver para além dos estereótipos: contar histórias autênticas de latinos/a/x/e, um guia para a indústria do entretenimento”, apresenta uma análise da relação de Hollywood com a comunidade latina, desmente mitos e estereótipos, define termos e apresenta dados sobre a cultura latina e o poder da audiência hispana. Reportagem do El Espectador.
A CACHORRA, DE PILAR QUINTANA, SERÁ ADAPTADO PARA O CINEMA
O aclamado livro “La Perra” (“A Cachorra”, publicado no Brasil pela editora Intrínseca), escrito pela colombiana Pilar Quintana, será adaptado para o cinema pela diretora chilena Dominga Sotomayor (“Tarde Para Morrer Jovem”, 2018) e pela roteirista uruguaia Inés Bortagaray (“A Outra História do Mundo”, 2018).
Na história, a protagonista é Damaris, uma mulher de quase 40 anos que vive numa vila de pescadores na costa do Pacífico colombiano com seu companheiro. Seu maior sonho é ser mãe, mas esse é um sonho que nunca se realiza. Um dia, Damaris decide adotar uma cachorra. A partir daí, amor incondicional e projeções de uma materndidade frustrada se misturam. Em Noticine.
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