ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #30
Mês do Cinema Brasileiro: A Filha do Palhaço/Ministério da Cultura lançará streaming gratuito/Diretoras latinas premiadas em Tribeca/Festa no Covil, Chabuca e O Mal Que Nos Habita na Netflix
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A FILHA DO PALHAÇO
Renato (Demick Lopes) vive sozinho num pequeno apartamento no litoral cearense e ganha a vida como humorista, se apresentando em pequenas casas de show e botecos como Silvanelly, uma personagem carregada muito mais de glitter do que de glamour. Um dia, o cotidiano de palhaço solitário de Renato é atravessado pela chegada de Joana (Lis Sutter), a filha adolescente que ele não vê desde bebê.
Joana chega para passar uma semana com esse pai desconhecido. São pai e filha, mas nada sabem um sobre o outro. De início, então, prevalece a tensão do estranhamento. Renato não tem a menor ideia de como ser pai, de como estabelecer comunicação com a filha, de como se mostrar para a menina, de como explicar seu afastamento. Joana, por sua vez, parece intrigada, embora marcada pelo ressentimento da ausência.
Dirigido por Pedro Diógenes (Inferninho e Pajeú), que assina o roteiro com Amanda Pontes e Michelline Helena, “A Filha do Palhaço” acontece sob a perspectiva dessa adolescente que pela primeira vez entra em contato com o universo pessoal do pai.
Ao se instalar naquele apartamento, naquele dia a dia, Joana, experienciando também seu processo de amadurecimento, com todos os desafios e belezas da juventude, oscila entre ficar na defensiva e estar disposta a conhecer e se deixar conhecer. Assim, a seu tempo, a menina passa a perceber as nuances do homem que partiu de sua vida muito cedo: um homem agora melancólico artística e pessoalmente. Por não ter conseguido ser o ator que gostaria, por não ter conseguido lidar com sua homossexualidade sem abandonar a paternidade, por ter perdido um amor.
É o querer saber de Joana que confronta a melancolia e obriga Renato a finalmente acertar contas com o passado. É o querer saber que revela as feridas e aponta as condições do que pode ser recuperado de um laço que na verdade nunca existiu.
Tendo “Tô Fazendo Falta”, da cantora Joanna, como trilha sonora de uma de suas cenas mais especiais e um recorte da cartografia da cultura marginal de Fortaleza como pano de fundo, “A Filha do Palhaço” emociona por ser singelo na construção dos afetos e da intimidade dos personagens e por abraçar com paciência as contradições desse processo, tornando possível vislumbrar uma conformação de família que extrapole os modelos tradicionais e respeite o universo criado entre pai e filha.
Um dos melhores e mais bonitos filmes brasileiros de 2024; quiçá dos últimos anos.
NOS CINEMAS
TUDO O QUE VOCÊ PODIA SER
Também fala sobre afetos e família não tradicional o longa “Tudo o que Você Podia Ser”, lançamento de junho da Sessão Vitrine Petrobras.
Na trama, que tem direção de Ricardo Alves Jr (“Elon Não Acredita na Morte”, 2016). e roteiro de Germano Melo, acompanhamos os últimos momentos de Aisha (Aisha Brunno) em Belo Horizonte: prestes a se mudar para estudar em São Paulo, ela começa a se despedir de suas melhores amigas Bramma (Bramma Bremmer), Igui (Igui Leal) e Will (Will Soares).
Considerado um “manifesto sobre o cuidado, a amizade e o pertencimento” por Alves Jr., o filme mistura elementos de documentário e ficção para registrar os encontros, conversas e confissões dessas quatro pessoas LGBTQIAP+ que se escolheram como família, abordando questões como comunidade, HIV, relacionamentos, sexualidade e relações familiares.
O longa estreou em cinemas de mais de 20 cidades no dia 20/06, com ingressos custando no máximo R$20,00.
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FESTA NO COVIL
Tochtli (Miguel Valverde Uribe) é um garoto de 10 anos que tem tudo que quer, na hora que quer. Ele vive num palacete no meio do deserto, sob a proteção e os mimos de seu pai, o poderoso narcotraficante Yolcault (Manuel Garcia-Rulfo).
Por esse covil opulento e isolado circulam prostitutas, assassinos e traficantes, mas, apesar de inteligente e precoce, o menino vive alheio às atividades e movimentações do pai e das pessoas ao seu redor. Sua cabeça está sempre ocupada por passatempos que se tornam verdadeiras obsessões, como sua coleção de chapéus históricos, os seus vários animais exóticos que são criados num mini zoológico no quintal, as novas palavras que aprende no dicionário todos os dias e as lições que tem sobre samurais e guilhotinas com um professor particular chamado Mazatzin (Raúl Briones).
Baseado na obra homônima do escritor mexicano Juan Pablo Villalobos e adaptado como original Netflix com direção de Manolo Caro (“La Casa de las Flores”, 2018) e roteiro de Nicolás Giacobone (vencedor do Oscar por “Birdman”, de Alejandro González Iñárritu), “Festa no Covil” tangencia o intrincado universo do narcotrafico mexicano sob a perpectiva de um garoto que sabe muito sobre muitas coisas, mas que vive escondido do mundo, com informação limitada/ controlada sobre sua própria realidade.
Por isso, ainda que a história se desenvolva como um conto que carrega em si muito do lúdico e do fantasioso da infância, a direção de Caro, com seu clássico cinismo tragicômico no modo de tratar hipocrisias e contradições, garante o incômodo do espectador sobre o mundinho perfeito que Yolcault encena para Tochtli, uma criança criada como pequena déspota. Nesse mundo ideal, onde comer quesadillas em todas as refeições é permitido pelo pai, o garoto, a despeito de toda a violência que às vezes não vê, às vezes não compreende, só tem como preocupação realizar o desejo de ganhar um hipopótamo anão da Libéria.
CHABUCA
No fim de abril, pela primeira vez na história, o Peru teve três filmes nacionais sendo líderes de bilheteria nos cinemas: “Vivo o Muerto”, “Chabuca” e “Vaguito, te esperaré en la orilla”.
Agora disponível na Netflix, “Chabuca” chegou a atingir a marca de 300 mil espectadores nos cinemas peruanos. O filme, um drama biográfico dirigido por Jorge Carmona, ficcionaliza a trajetória pessoal e profissional do ator e drag queen peruano Ernesto Pimentel (interpretado por Sergio Armasgo), desde sua infância nos Andes, quando muito cedo perdeu a mãe, até sua consolidação na TV como a popular ‘Chola Chabuca’, passando pelo diagnóstico de HIV e por seu relacionamento com o escritor e bailarino Alex Brocca.
Apesar de ter feito sucesso de público, algumas críticas sugerem que o envolvimento de Pimentel na produção executiva do filme teria resultado numa obra um tanto “chapa-branca”.
O MAL QUE NOS HABITA
O filme de horror mais comentado de 2023 é argentino e acaba de chegar ao streaming. Na trama, dirigida por Demián Rugna (“Aterrorizados”, 2017), os irmãos Pedro (Ezequiel Rodríguez) e Jaime (Demián Salomón) descobrem um homem possuído na zona rural onde vivem e tentam alertar as pessoas sobre o mal que se espalha como uma epidemia, desencadeando uma onda de loucura e violência.
Definido por Rugna como “uma viagem ao inferno”, “O Mal Que Nos Habita” (“Cuando Acecha la Maldad”, no original) pode não ter o universo mais bem aparado do cinema, mas manipula bem o suficiente as convenções de gênero (em especial a técnica dos jumpscares) para conseguir envolver o espectador na aflitiva e desoladora jornada de decisões equivocadas de seu anti-herói Pedro.
PRIME VIDEO
PUAN
Escrito e escrito e dirigido por María Alché (protagonista de “A Menina Santa”, de Lucrecia Martel) e Benjamín Naishtat (“Historia del Miedo”, 2014), “Puan” aborda com muito bom humor e um tanto de decadência os embates dos egos acadêmicos e os perrengues enfrentados por quem trabalha e estuda em universidades públicas.
Ambientado na Universidade Pública de Buenos Aires (UBA), o longa se desenvolve a partir da disputa de dois professores de personalidades e realidades completamente diferentes pelo mesmo cargo.
Protagonizado por Marcelo Subiotto e Leonardo Sbaraglia.
Crítica do filme na edição #25
NOTÍCIAS
MINISTÉRIO DA CULTURA ANUNCIA CRIAÇÃO DE PLATAFORMA DE STREAMING PRÓPRIA
O Ministério da Cultura (Minc) está prestes a lançar uma plataforma de streaming gratuita dedicada exclusivamente a filmes, séries e documentários nacionais.
O projeto, idealizado pela Secretaria do Audiovisual (SAV), deve ser lançado no segundo semestre deste ano e tem por objetivo facilitar o acesso do público geral a conteúdos nacionais, estimular a produção audiovisual nacional e promover a valorização da cultura brasileira. Em Portal Exibidor.
LULA ASSINA DECRETO DA COTA DE TELA
Na noite de 19 de junho, Dia do Cinema Brasileiro, o Ministério da Cultura (MinC) anunciou um pacote histórico de investimentos no setor audiovisual, totalizando R$ 1,6 bilhão para o próximo ano.
Na mesma data, o presidente Lula assinou o decreto que regulamenta a cota de tela em cinemas, conforme estabelecido pela Lei nº 14.814/2024. Assim se restabelece até 31 de dezembro de 2033 a exigência de que ao menos 30% da programação das salas de cinema seja composta de filmes brasileiros, garantindo a diversidade dos títulos exibidos. Em Tela Viva.
TRIBECA 2024
Dois longas latinos foram premiados no Festival de Cinema de Tribeca deste ano. “El Aroma del Pasto Recién Cortado”, da argentina Celina Murga, recebeu o prêmio de Melhor Roteiro na categoria de filmes internacionais. Protagonizado por Joaquin Furriel e Marina de Tavira, com produção executiva de Martin Scorsese, o filme conta as histórias paralelas de Pablo e Natália, dois professores universitários que acabam se envolvendo amorosamente com uma aluna e um aluno, respectivamente. Duas histórias parecidas, mas com consequências diferentes.
Já “Agárrame Fuerte”, das uruguaias Ana Guevara e Leticia Jorge, recebeu o prêmio Nora Ephron, dedicado a cineastas ou roteiristas mulheres em ascensão. As duas já haviam dirigido juntas o longa “Tanta Água” (2013) e trabalhado juntas em “Alelí” (2019), atualmente disponível na Netflix.
Dessa vez a dupla conta a história de Adela (Chiara Hourcade), que devastada pela morte de sua amiga Elena (Victoria Jorge) decide iniciar uma viagem ao passado para poder uma vez mais compartilhar um fim de semana com ela.
ESTADO DE SILENCIO
Gael García Bernal e Diego Luna são os produtores de um documentário sobre as dificuldades enfrentadas pelo jornalismo mexicano.
Intitulado “Estado de Silencio” e lançado mundialmente no Festival de Tribeca, o filme acompanha quatro jornalistas que narram os perigos de exercer a profissão no México.
De acordo com a organização Repórteres sem Fronteiras (RSP), entre 2000 e 2023 foram mais de 150 jornalistas assassinados no país. Em 2022, o México se tornou o país mais perigoso do mundo para jornalistas, superando zonas de guerra ativas como a Ucrânia e a Síria. Em Infobae.
CONGRESSO PERUANO APROVA LEI CRITICADA POR CENSURA
O congresso peruano aprovou, no início de junho, modificações na lei de incentivos ao cinema.
O novo texto tem sido criticado pelos cineastas do país especialmente por buscar regular o financiamento de filmes peruanos que abordem as violações de direitos humanos no período do conflito armado interno (1980-2000) e por limitar a apenas 50% o incentivo estatal a produções autorais, regionais e indígenas.
Essas últimas mudanças, que exigem “respeito aos bons costumes e defesa dos interesses do Estado peruano”, foram propostas pelo atual presidente do Legislativo, Alejandro Soto, do partido conservador Alianza para el Progreso (APP).
Os profissionais do setor audiovisual consideram que os novos termos da lei do cinema censuram o direito de livre expressão estabelecido pela Constituição e entregam o controle da criação cinematográfica a setores autoritários e conservadores. Em Infobae
PEPE VENCE OLHAR DE CINEMA
Depois de conquistar o Urso de Prata de Melhor Direção no Festival de Berlim deste ano, o longa dominicano “Pepe”, de Nelson Carlos de Los Santos Arias, recebeu, no último dia 19, o prêmio de Melhor Filme da Mostra Competitiva Internacional do 13º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.
Na trama, o fantasma de um hipopótamo chamado Pepe, de uma espécie da Namíbia que chegou até a Colômbia por vontade de Pablo Escobar, procura entender o motivo de sua morte. Para o produtor Pablo Lozano, o filme “é uma metáfora de nós mesmos enquanto caribenhos e latino-americanos: como construímos uma identidade através de deslocamentos, conflitos, de pessoas que morreram sem nunca terem sabido onde estavam”.
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