ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #33
Entrevista com o argentino Eduardo Williams, diretor do lançamento O Auge do Humano 3/ Estranho Caminho e O Contato nos cinemas/Desaparecer por Completo e La Suprema no streaming
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Em o “Auge do Humano 3” (“El Auge del Humano 3”), sequência direta do projeto “O Auge do Humano” (não existe um “O Auge do Humano 2”), de 2016, o argentino Eduardo Williams borra os limites do documental e do ficcional, dos idiomas, dos territórios, de identidades, orientações e dos contextos para acompanhar três grupos de amigos de diferentes lugares do mundo que vagam sem rumo por suas corriqueiras rotinas, conversando ocasionalmente sobre suas relações com o trabalho e com a vida, de modo geral, até começarem a, pouco a pouco, partilhar dos espaços e dos sonhos uns dos outros. Com o avançar da projeção, os grupos se reúnem numa marcha coletiva onde línguas e distâncias geográficas não fazem a menor diferença na experiência da convivência.
Filmado em três países (Peru, Sri Lanka e Taiwan), com uma câmera 360º, técnica que o diretor já havia utilizado em “Parsi”, seu último curta-metragem, o longa aproxima o espectador de uma experiência de imersão em realidade virtual, inserindo-o numa espiral de encontros e desencontros de personagens que estão apenas existindo.
E esse existir nada tem de muito impressionante. Na maior parte do tempo é cansativo, monótono, às vezes até um tanto sem sentido, ainda que mantenha em si algo de fantástico e misterioso quando observado através das fluidas brechas oníricas e surreais propostas por Williams a partir do coexistir (com os outros, com a natureza).
Com duas horas de duração, “O Auge do Humano 3” provoca nossas percepções, sentidos e entendimentos sobre os movimentos dos personagens. Movimentos contínuos, cujo registro nos incorpora à experiência graças a técnicas e formas que definitivamente desafiam padrões narrativos.
Vencedor do Prémio Da Crítica Boccalino D’Oro no 76º Festival de Locarno, o longa é o primeiro lançamento da distribuidora Retrato Filmes e está em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Aracaju, Fortaleza e Recife. Lançado em 15 de agosto.
Eduardo Williams concedeu uma entrevista ao Era Uma Vez na América Latina. Confira:
VP: Eduardo, “O Auge del Humano 3” vai além dos limites geográficos, de gênero, das fronteiras físicas e culturais, dos espaços dos sonhos e da realidade, do indivíduo. O que isso tem a ver com a sua percepção do que seria a experiência humana?
EW: Em partes, imagino que tem a ver com como é minha vida, que é a maneira que tenho de perceber o que é a experiência humana. Tudo o que descrevi se parece muito à minha vida normal e ao que me dá curiosidade, ao que me interessa. Mas também não se trata apenas da minha experiência pessoal, isso é o ponto de partida do filme. Depois, graças ao improviso e a uma maneira aberta de trabalhar, em que minhas ideias não são as únicas presentes, porque podem haver ideias das pessoas que atuam, de outras pessoas envolvidas no filme, ou de acidentes, coisas que acontecem durante as filmagens, o filme se mostra mais do que somente minhas ideias e também demonstra que ideias podem se transformar em diferentes lugares, e por cada pessoa que participa do filme.
VP: O filme também se afasta das narrativas convencionais e propõe outro tipo de imersão para o espectador (até mesmo pelo uso da técnica 360º). Numa época em que o “cinema comercial” se dedica cada vez mais à reprodução de formas, como você espera que as pessoas se identifiquem com este projeto?
EW: Tento não prejulgar como as pessoas vão reagir ao filme. Especialmente porque depois de anos fazendo muitos filmes num estilo muito diferente do que é o cinema comercial, comprovei que o público pode ser muito diferente, ter reações muito diferentes, e isso me parece muito bom. Às vezes se pensa que os filmes não comerciais são somente para cinéfilos ou pessoas que estão muito acostumadas a ver muito cinema. Mostrando meus filmes em muitos lugares, comprovei que além das pessoas que estão acostumadas a muitos estilos diferentes de cinema também há outras pessoas que não estão tão acostumadas e mesmo assim podem entrar no filme, aproveitá-lo à sua maneira. E como é um filme bastante aberto, acredito que cada pessoa que entra no filme, que se vê tomada pelo filme, acaba com diferentes ideias, dependendo do que conversa mais com a sua experiência. Algumas pessoas me dizem que o filme é sobre uma coisa, outras que é sobre outra, outras que não entenderam muito, mas que isso as agradou e que gostaram muito da experiência, outras que entendem algumas coisas específicas. Às vezes há pessoas que veem coisas no filme que eu não vi, e isso é muito interessante também. Penso que, a princípio, como todo cinema que não é comercial, [o projeto] propõe uma experiência diferente que não vai agradar todo mundo, assim como o cinema comercial também não agrada todo mundo. Mas no geral, o que me dizem as pessoas que entram no filme e se relacionam com ele, a partir de suas sensibilidades e de suas impressões sobre a proposta, é que não é algo que se pareça a outras coisas que já tenham visto.
VP: Como você definiria sua forma de fazer cinema?
EW: É um pouco difícil para mim definir minha forma de fazer cinema de uma maneira curta e precisa, porque inclui muitas maneiras de viver também, muitas partes da minha vida. Mas acredito que tem muito de curiosidade, de querer produzir encontros novos, ou que não são muito comuns, e de ir em direção ao desconhecido a partir de muitos pontos de vista, ir em direção ao que não se entende, para ver o que acontece depois de ter estado nesses lugares do novo, do desconhecido, da curiosidade, do compartilhar de diferentes maneiras.
VP: Como foram escolhidos os países de gravação? Por que Peru, Sri Lanka e Taiwan?
EW: Sobre os países de gravação, como no primeiro longa-metragem que fiz, a ideia básica era criar relação ou conectar lugares e pessoas desses lugares que você não vê conectados frequentemente, o que pode ser sobre a maior parte do mundo, porque geralmente, ao menos nas sociedades que conheço, temos tendência a olhar e a manter relação sempre com os mesmos países, que são muito poucos. Então essa era a ideia básica e geral. Mais precisamente sobre o Sri Lanka, fui uma vez antes e, andando de ônibus, vi um bairro de casas esféricas e coloridas em uma zona rural, o que me surpreendeu, porque é uma forma de casas que não estamos acostumados a ver acho que em quase nenhum lugar do mundo. Isso já me atraiu. Depois pesquisei um pouco na internet e descobri que essas casas estavam construídas dessa forma porque um tsunami destruiu as casas que haviam antes ali, e essas formas esféricas são mais resistentes aos tsunamis. Mas principalmente escolhi esse lugar porque me servia nessa relação entre realidade e fantasia que existe nesse tipo de lugar. Claramente, para nós que não vivemos ali, é um lugar muito estranho, mais parecido à fantasia, ou a um sonho, porém, para as pessoas que vivem ali é simplesmente um lugar normal. Acho que essa relação entre realidade e fantasia, que depende do ponto de vista, ou que é difícil de separar, está presente em muitas coisas da vida e me interessava compartilhar isso no cinema. Esse lugar me ajudava a compartilhar isso de uma maneira mais clara talvez que outros lugares. Uma vez ali, a ideia era aprender e conhecer um pouco mais sobre as pessoas e o lugar. Mas a decisão de ir foi por esse bairro e pela curiosidade sobre o que poderia acontecer estando ali. Para o Peru, fui porque estava buscando um lugar onde houvesse pessoas que viviam sobre a água, isso acontece em muitas partes do mundo, e no Peru encontrei esse bairro perto de Iquitos, que se chama Belén, onde metade do ano as pessoas vivem sobre a água, porque se inunda. De novo, como no caso do bairro no Sri Lanka, era um lugar muito estranho para quem não é dali. Para as pessoas que vivem ali, obviamente é um lugar muito comum. E também, como o outro lugar, tem uma relação com o clima que me importa no filme. Além disso, o bairro fica muito perto do Amazonas, para onde também desde sempre tive muita vontade de ir. Estando ali, acho que não me enganei, é um lugar também incrível para alguém que se criou na cidade como eu. É muito interessante também a nível sensorial, deixa muito para pensar. Em Taiwan foi um pouco diferente. Um dos produtores do filme, que é da China, me disse que se eu fosse a Taiwan achava que poderia me ajudar. Então fui a Taiwan, andei um pouco e a princípio o que mais me marcou nessa viagem foi que encontrei um festival de música LGBT aborígene, e isso me pareceu muito interessante, a combinação do LGBT e do aborígene num mesmo festival. Também gostei que não foi um país em que pensei em ir, foi uma ideia que veio de outra pessoa.E sempre, nos três lugares, seja mais longe ou mais perto do meu lugar de origem, que é a Argentina, sempre vou com a curiosidade do que vai acontecer, mais do que sabendo o que vai acontecer ou pensando antes no que vai acontecer. Vou sempre com a expectativa de que aconteça algo que não pude imaginar. Por isso às vezes as razões para ir são um pouco como pequenas desculpas.
VP: Quem são aqueles jovens?
EW: Bem, as pessoas no filme têm idades diversas. É verdade que a maioria das pessoas não é muito mais velha, mas depende do que definimos como jovens. Minha busca era por pessoas de todas as idades. Não tínhamos uma faixa etária específica. Pensando depois, acho que para pessoas que estão em certas idades, quando a pressão econômica é muito forte, às vezes é mais difícil que se dediquem a projetos como esse, que talvez possam lhes causar curiosidade ou certa fantasia. Como todos são atores e atrizes não profissionais, não se dedicam a isso como seu trabalho principal, e a maioria nunca tinha feito nada assim antes, as vezes é difícil, quando as responsabilidades econômicas são muito fortes na sua vida, encontrar tempo de participar de projetos que apesar de serem trabalhos, trabalhos pagos, não são algo que você vai seguir como carreira. E quem são essas pessoas? São diferentes pessoas, de diferentes realidades culturais e econômicas. Pessoas que conheci em cada viagem. Algumas pessoas conheci simplesmente caminhando e encontrando gente ao azar, outras pessoas perguntando a amigos que conheciam gente nessas cidades. Outras através da internet, enviando por redes sociais chamadas de casting, nas quais não se buscava nada em especial, gente de qualquer idade, sem necessidade de experiência. A única coisa que fazíamos era convidar pessoas LGBT a virem. Não era exclusivo, mas era importante para mim convidar claramente essas pessoas, porque em diferentes lugares as realidades são diferentes e às vezes esse convite mais claro faz com que alguém se anime a vir, sem medo. Então também a maioria das pessoas do filme são LGBTs, e para mim isso era importante no filme, com suas diferentes origens e realidades que estão representadas. São pessoas que por uma razão ou outra tiveram curiosidade em participar dessa aventura. E como eu disse, não buscava nada em especial. Quando conhecia as pessoas, era mais sentir que pessoas se sentiam bem comigo, se eu me sentia bem com elas. Definitivamente fazer um filme é passar muito tempo juntos, e essa era uma sensação mais intuitiva do que buscar coisas específicas quanto a imagem ou a histórias. E depois cada pessoa pôde, à sua maneira, modificar o filme através de diferentes improvisos ou diálogos.
VP: Quanto tem de roteiro e de improviso no filme?
EW: Há um pouco das duas coisas, quanto, exatamente, não sei. Mas há cenas que são totalmente escritas e outras que são totalmente improvisadas, onde não havia nenhuma indicação da minha parte sobre o que dizer. E a maioria das cenas são um pouco das duas coisas. Cada pessoa tem um diálogo para dizer e pode encontrar o momento em que prefere dizê-lo. Ou há um diálogo para ser dito em algum momento específico, quando passam por algum lugar especial que marcamos pelo caminho, e depois tem espaços vazios onde podem dizer o que quiserem. Como disse, buscava que o filme não fosse só sobre minhas ideias. E também queria ver como entrávamos e saíamos disso da ficção e do documental, de representar, de se dizer o que quer. Era muito interessante pra mim ver como os atores e as atrizes mudavam na mesma cena, nesse estado de improvisar, sendo o mais próximo deles mesmos e também de ser outras pessoas e dizer coisas que não diriam.
VP: A quantidade de países coprodutores (Argentina, Portugal, Holanda, Taiwan, Brasil, Hong Kong, Sri Lanka, Peru) interferiu de alguma forma no resultado final do filme que você tinha em mente?
EW: Sim, com certeza como se faz o filme interfere em como ele termina sendo. O processo muda muito o que o filme é, e parte do processo é a produção. Não é a mesma coisa trabalhar com um ou dois produtores do que trabalhar com cinco. Além disso, em cada país há uma forma diferente de trabalhar, diferentes maneiras de enfrentar certos problemas e buscar soluções. E isso sempre é muito interessante para mim também. Parte da viagem também é como se trabalha em diferentes lugares, e obviamente isso às vezes traz restrições e possibilidades. Foi a minha primeira vez trabalhando com tantos países coprodutores e foi uma experiência diferente das anteriores, sem dúvidas. É um filme em que o processo, em todos os sentidos, muda o resultado final. O filme que temos no começo sempre é diferente do que temos no final, e pra mim é importante que o filme vá se pensando e se fazendo no transcurso. Mas a razão para ter muitas coproduções é que necessitávamos mais fundos do que em meus filmes anteriores, principalmente por querer viajar com os atores de um país para o outro. Isso era bastante complicado e caro, mas para mim era uma das ideias mais importantes do filme, que não fosse apenas eu o que viajava, junto de algumas pessoas da equipe técnica, como foi no meu longa anterior, “O Auge do Humano”. Queria que também as pessoas que vemos na tela estivessem em lugares diferentes, nesse intercâmbio que eu faço como diretor.
VP: O que você acha que podemos esperar da produção cinematográfica argentina nos próximos anos de governo Milei?
EW: Bem, não vivo na Argentina desde 2012 e isso talvez mude um pouco minha ideia do dia a dia do trabalho. Mas, sim, trabalho na Argentina, vou com frequência à Argentina e estou em contato com o que acontece ali através de meus amigos. Acredito que com os cortes que estão propondo, tentando fazer com que o Estado se retire da produção cinematográfica, o que se pode esperar é que as condições de trabalho sejam mais difíceis para nós que trabalhamos com cinema e que a diversidade da produção seja muito menor, o que é sempre ruim, em todos os âmbitos. Mas confio no fato de que na Argentina estamos acostumados a realizar mesmo que as condições sejam ruins, e a lutar contra esses governos que acreditam que a cultura não é importante. Sem dúvidas acredito que essa situação não vai durar para sempre, mas desses anos não posso esperar mais que problemas para a produção nacional e uma perda de diversidade do que poderia estar sendo feito que é sempre irrecuperável.
NOS CINEMAS
ESTRANHO CAMINHO
David (Lucas Limeira) é um jovem cineasta cearense que vive em Portugal com a namorada e retorna de visita a sua cidade natal, Fortaleza, para exibir um filme num festival. Surpreendido pelo rápido avanço da pandemia de Covid-19, o rapaz prolonga sua estadia na cidade e acaba decidindo procurar pelo pai, Geraldo (Carlos Francisco), com quem não fala há muitos anos. Quando o contato é retomado, coisas estranhas começam a acontecer, revelando fragmentos agora confundidos dos esquemas emocionais e criativos do protagonista.
Dirigido e roteirizado por Guto Parente (“Inferninho”, 2018), “Estranho Caminho” manipula o suspense, o horror do desconhecido e o humor do absurdo na composição do panorama psicológico de um personagem afetado por questões mal resolvidas com o pai. Um jovem que durante um inédito e já bastante insólito período pandêmico esbarra na oportunidade que lhe faltava para finalmente encontrar o caminho até o homem com quem nunca conseguiu se comunicar e que com o tempo tornou-se um estranho para ele.
“Eu gosto de misturar as coisas, o cinema narrativo com o experimental, o realismo com a fantasia, o humor com o espanto. A cada filme gosto de poder trabalhar com elementos diferentes, testando combinações improváveis e descobrindo novas possibilidades. Criar sem experimentar é reproduzir. A experimentação está no cerne da criação e é onde podemos assumir os riscos mais interessantes. Sem medo de errar. Ou buscando errar cada vez melhor. O fantástico é o que se encontra entre o maravilhoso e o extraordinário, é o lugar da dúvida, da hesitação, do mistério sem solução. A pergunta que gera uma nova pergunta, que gera uma nova pergunta.”, comenta Parente no material divulgado à imprensa.
No Festival de Tribeca 2023, onde teve sua première mundial como único longa brasileiro na competição internacional, “Estranho Caminho” ganhou todos os prêmios que disputou: Melhor Filme, Melhor Roteiro para Guto Parente, Melhor Fotografia para Linga Acácio e Melhor Performance para Carlos Francisco. Lançado em 1º de Agosto.
O CONTATO
Com direção e roteiro de Vicente Ferraz (mesmo diretor de “Soy Cuba - O Mamute Siberiano”, de 2004), o documentário “O Contato” nos transporta para a cidade de São Gabriel da Cachoeira, localizada na região da Cabeça do Cachorro, no Amazonas, fronteira do Brasil com a Venezuela e a Colômbia.
Conhecida por ser uma das cidades mais indígenas do Brasil, a região, rica em diversidade étnica, concentra 23 etnias e 18 idiomas nativos. Uma cidade que se fez a partir do contato estabelecido ao longo do tempo entre aldeias da região, entre brancos e nativos, aldeias e cidade, mata e zona urbana, entre costumes, culturas, memórias e lutas que mesmo diferentes às vezes se interseccionam.
No filme, conhecemos São Gabriel da Cachoeira sob a perspectiva três núcleos de personagens de diferentes etnias que viajam pelo Rio Negro: um grupo Yanomami que está levando um filme sobre eles para ser exibido na aldeia; uma mulher Arapaso que viaja da aldeia até o centro da cidade para cuidar da filha que tem depressão; e uma família formada por Hupda e Baniwa, duas etnias que historicamente não se relacionavam, que vai apresentar seu filho Baniwa para os parentes distantes Hupda.
Conforme se deslocam pelo rio para cumprir suas missões, esses personagens compartilham fragmentos de vivências e memórias que compõem a história do lugar. Através deles, enxergamos um tecido social formado pelo sincretismo cultural, social e religioso, pela resistência ao garimpo, às organizações criminosas e às tantas e tão insistentes facetas da colonização.
NO STREAMING
Netflix
DESAPARECER POR COMPLETO
Santiago Mendoza (Harold Torres) é um fotojornalista freelancer que ganha a vida alimentando com imagens bastante gráficas alguns jornais sensacionalistas.
Durante as madrugadas, ele perambula pela Cidade do México em busca de cenas de crimes, tragédias e mortos para registrar. Um trabalho que paga suas contas, mas que geralmente o obriga a abrir mão de muitas de suas ambições artísticas e de passar tempo de qualidade com a esposa, Marcela (Tete Espinoza).
Um dia, pouco depois de se infiltrar numa mórbida suposta cena de crime envolvendo um político importante, Santiago começa a sofrer efeitos espantosos, perdendo, pouco a pouco, um por um de seus cinco sentidos. Descobrindo-se enfeitiçado, o fotógrafo passa a correr contra o tempo para entender como deter a perda dos sentidos e evitar desaparecer completamente.
Dirigido por Luis Javier Henaine (“Escola de Solteiras”, 2019), que também assina o roteiro ao lado de Ricardo Aguado-Fentanes, “Desaparecer por Completo” combina os universos da bruxaria e do sensacionalismo “pinga-sangue”, peças significativas da cultura popular mexicana, num suspense sobrenatural que reflete na degradação do corpo de seu protagonista a insensibilidade de sua rotina profissional.
O longa está concorrendo em oito categorias dos prêmios Ariel 2024, o “Oscar do cinema mexicano”, incluindo Melhor Ator e Melhor Som, elementos de fato fundamentais na composição de uma atmosfera de horror que cresce e se destaca na medida em que arrasta o espectador para dentro da perturbadora crise sensorial de Santiago.
Disponível para aluguel e compra
LA SUPREMA
Em La Suprema, uma vila apagada dos mapas onde nem sequer chega energia elétrica, localizada no norte do departamento de Bolívar, na região do Caribe colombiano, vive Laureana (Elizabeth Martínez), uma adolescente que sonha em se tornar uma boxeadora tão reconhecida quanto o tio distante que anos atrás partiu para a Venezuela em busca de oportunidades no esporte.
Um dia, a jovem lê no jornal que o tio está prestes a lutar pelo título do campeonato mundial de boxe e que o evento será transmitido ao vivo pela televisão. Ela então decide mobilizar toda a comunidade na busca por eletricidade e por uma TV para que todos possam assistir ao embate reunidos na praça. Além disso, essa parece a oportunidade perfeita para convencer sua avó de que uma garota também pode se tornar uma lutadora.
Em seu primeiro longa-metragem, o diretor Felipe Holguín conta a história de La Suprema inspirado pela trajetória de Antonio Cervantes Reyes, conhecido como Kid Pambelé, um ex-boxeador e treinador de origem afro-colombiana que nasceu no povoado de San Basilio de Palenque e que ganhou duas vezes o título mundial em sua categoria, contribuindo assim para devolver sua vila aos mapas.
O resultado é um filme narrativamente bastante formal, com curvas dramáticas por vezes um tanto convenientes, mas que se sobressai especialmente pela decisão de ter uma garota enérgica como agente de transformação e por refletir a realidade de tantos povoados remotos esquecidos pela América Latina. Um drama resiliente, emotivo e esperançoso sobre o poder da comunidade e dos diferentes modos de vida.
NOTÍCIAS
CINEMA BRASILEIRO GANHA NOVA DISTRIBUIDORA FOCADA EM PRODUÇÕES INDEPENDENTES
Fundada por Daniel Pech e Felipe Lopes, a Retrato Filmes chega ao mercado focada na distribuição de longas independentes com perfil autoral, com o objetivo de ampliar a distribuição de obras brasileiras e coproduções latinas.
Com carreira consolidada na distribuição, Lopes é sócio da Vitrine Filmes, estando à frente de lançamentos de sucesso como Aquarius, Bacurau, Nosso Sonho e A Vida Invisível.
Já Daniel Pech se lança na distribuição após atuar por anos como produtor à frente da Multiverso Produções, em obras selecionadas para festivais como Berlim, Londres, Locarno, San Sebastián, Rotterdam, dentre outros; e licenciadas para diversos canais e plataformas como Netflix, Mubi, Globoplay e HBO.
A Retrato Filmes conta ainda com Carmen Galera, que já passou por empresas como Bonfilm e Pagu Pictures, como Gerente de Lançamentos.
“O setor de distribuição segue sendo um gargalo - temos muitos filmes para poucas distribuidoras. Quando Daniel trouxe essa carteira de longas com financiamento foi possível colaborar com este projeto sem alterar minha atuação como sócio-diretor da Vitrine. Há espaço e necessidade para o surgimento de mais distribuidoras atuando nesse elo da cadeia”, comenta Lopes no material divulgado à imprensa.
No portfólio de lançamentos de 2024 da distribuidora estão previstos “O Auge Humano 3”, do argentino Eduardo Williams, premiado no Festival de Locarno, exibido em Toronto e San Sebastián e já em cartaz em nossos cinemas desde a última quinta-feira (dia 15); "Prisão nos Andes", coprodução entre Chile e Brasil, que estreou no Festival de Londres, para em seguida passar por Guadalajara, Marrakesh, Huelva (Prêmio de Melhor Elenco), Kerala (Prêmio FIPRESCI pela crítica internacional) e Punta del Este (Prêmio de Melhor Diretor), e que deve estrear comercialmente no Brasil em 12 de setembro; "Salão de Baile - this is ballroom”, primeiro longa-metragem documental sobre a cena ballroom do Rio de Janeiro, que encerrou a última edição do festival Olhar de Cinema; e "Alma do Deserto", coprodução entre Brasil e Colômbia, com estreia confirmada no Festival de Veneza deste ano.
A CASA DOS ESPÍRITOS NO PRIME VIDEO
O Prime Video anunciou no final de julho a produção da série “La Casa de los Espíritus”, uma adaptação em oito episódios do romance homônimo da chilena Isabel Allende. Lançado em 1982 e considerado um dos livros mais importantes do século XX, um clássico do realismo-mágico latino-americano com mais de 70 milhões de cópias vendidas pelo mundo, “A Casa dos Espíritos”, ambientado num país fictício que muito tem a ver com o Chile, acompanha algumas gerações da poderosa família Trueba através da história de suas mulheres, de sua relação com o latifúndio e com o golpe civil-militar de 1973.
A sinopse oficial da série, divulgada pelo serviço de streaming: As paixões, as lutas e os segredos da família Trueba abrangem um século de mudanças sociais violentas, culminando em uma crise que coloca o tirânico patriarca e sua neta em lados opostos.
A própria Isabel Allende e a atriz estadunidense Eva Longoria (Desperate Housewives) assinam a produção executiva da série. Como showrunners, Francisca Alegría (“La Vaca que Cantó una Canción Hacia el Futuro”, exibido na edição 2023 do Festival do Rio), Fernanda Urrejola e Andrés Wood (“Machuca”, “Aranha”). No elenco, Alfonso Herrera ("Sense 8, Ozark"), Dolores Fonzi ("Blondi"), Nicole Wallace ("Culpa Mía"), Juan Pablo Raba ("Narcos"), Fernanda Castilho ("Isla Brava").
MAFALDA NA NETFLIX
A Netflix anunciou a produção de uma série em animação baseada nas famosas tirinhas da personagem Mafalda, criada pelo cartunista argentino Quino (1932-2020) no início dos anos 1960.
De acordo com a plataforma, Juan José Campanella, vencedor do Oscar 2010 de Melhor Filme Internacional por “O Segredo dos seus Olhos”, será o diretor, roteirista e showrunner do projeto.
Campanella, que chegou a publicar uma carta sobre sua relação com Mafalda, sobre o desafio de encabeçar a adaptação e sobre sua intenção de convertê-la num clássico da animação, afirma que a série será ambientada na atualidade, e não no período em que eram publicadas as histórias em quadrinhos originais.
“É nossa obrigação preservar o humor, o timing, a ironia e as observações de Quino. Sabemos que não poderemos elevar Mafalda, porque ela não pode ser superior ao que já é”, comentou na carta.
A notícia de que o diretor seria o responsável pela adaptação das aventuras de Mafalda e seus amigos não foi tão bem recebida nas redes sociais, porém. Há quem acredite que seus posicionamentos políticos podem descaracterizar a personagem, que se tornou tão icônica por se tratar de uma garotinha progressista inteligente e enérgica, curiosa, sarcástica e questionadora, preocupada com o mundo e seus problemas.
A previsão é de que a série estreie em 2025.
Contato e PIX: eraumavez.americalatina@gmail.com