ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #37
O DIA QUE TE CONHECI: uma comédia romântica para chamar de nossa/ Os destaques latinos da edição 2024 da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
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O DIA QUE TE CONHECI: uma comédia romântica para chamar de nossa
Zeca (Renato Novaes) vive atrasado e por isso está prestes a perder seu emprego de bibliotecário escolar. Acontece que o sujeito, um tipo um tanto introvertido, anda tendo dificuldades para acordar - e o longo trajeto de mais de uma hora de transporte público de casa até o trabalho (Belo Horizonte - Betim) também não facilita em nada sua rotina de dilemas com o despertador. Num desses fatídicos dias em que tudo parece dar errado na vida, Zeca conhece Luísa (Grace Passô).
Dirigido e roteirizado por André Novais Oliveira (Temporada”, 2018), “O Dia que Te Conheci” é o mais recente lançamento da produtora mineira Filmes de Plástico (criada em 2009 por Oliveira, Gabriel Martins, Maurilio Martins e Thiago Macêdo Correia), a mesma de “Marte Um”. E como não poderia ser diferente, Oliveira mantém a tradição do grupo de colocar no mundo filmes autorais, intimistas e afetivos, recheados de mineirês e que dialogam profundamente com o cotidiano do trabalhador brasileiro, de gente comum que vive um dia de cada vez.
Agora, porém, estamos diante da primeira comédia romântica original Filmes de Plástico (em coprodução com o Canal Brasil). Um filme que procura se afastar das formas narrativas convencionais do gênero, a despeito de toda sua divertida campanha de divulgação com pôsteres que remetem ao imaginário das comédias românticas mais populares e clichês dos anos 1990.
Em “O Dia que Te Conheci”, filmado na periferia de Belo Horizonte, assistimos ao florescer magicamente corriqueiro de um relacionamento protagonizado por corpos que geralmente não protagonizam esse tipo de filme, por indivíduos cujas vidas não costumam interessar a essas produções. Então, explorando a beleza das possibilidades do ordinário e considerando que “tá todo mundo mal”, Oliveira leva ao centro da trama dois personagens que poderiam facilmente ser conhecidos nossos.
Aqui, o tradicional começo, meio e fim das histórias de amor dá lugar ao encontro, ao que pode vir a ser, às sutilezas da colisão de universos que casualmente se percebem acometidos pelo mesmo tipo de mal-estar contemporâneo e que se identificam a partir disso. Daí o humor nasce dos contrastes entre a assertividade e o dinamismo de Luísa e a inércia de Zeca, e também da tranquilidade às vezes excessiva e às vezes ansiosa com que ele lida com os ruídos do seu dia.
Nesse recorte de um dia inteiro na vida do personagem, o dia que foi diferente, a narrativa avança a partir de deslocamentos: durante a correria rumo ao trabalho, intensificada por um ônibus quebrado, ou durante o tempo que Zeca passa preso num carro no engarrafamento com Luísa, meio sem saber o que conversar. Entre uma movimentação e outra, todas aparentemente muito prosaicas, a crônica do encontro nos fornece pistas sobre sobre a vida, os hábitos, os comportamentos e as conjunturas dos personagens.
Na trilha sonora, os rappers mineiros Djonga e FBC (que também aparece em sua primeira participação especial como ator num longa-metragem) acentuam a atmosfera de familiaridade da obra, enquanto o instrumental do compositor erudito negro norte-americano William Grant Still suspende por instantes o naturalismo cotidiano para deslocá-lo ao campo da fantasia, da magia dos contos de fada, causando uma estranheza muito bem-humorada e bem-vinda.
Nessa construção de miudezas elaborada por André Novais Oliveira, o que prevalece é uma habilidade encantadora de manipular gêneros cinematográficos e alcançar o cativante do trivial.
“O Dia que Te Conheci” estreou em 26 de outubro nos cinemas e é o primeiro longa distribuído pela Malute Filmes, braço da Filmes de Plástico criado com foco na distribuição de cinema brasileiro independente, seja de produções próprias ou de outras produtoras.
NOS CINEMAS
AINDA SOMOS OS MESMOS
Baseado em acontecimentos reais e escrito, dirigido e produzido por Paulo Nascimento (“A Oeste do Fim do Mundo”, 2013), “Ainda Somos os Mesmos” ficcionaliza o drama de brasileiros que precisaram procurar refúgio na Embaixada da Argentina no Chile depois do golpe militar de 11 de setembro de 1973.
Para contar essa história, a narrativa se concentra na jornada de Gabriel (Lucas Zaffari), um estudante de medicina que deixa o Brasil fugindo da ditadura civil-militar, em busca de recomeçar a vida no Chile de Allende, e anos depois é surpreendido pelo início da ditadura Pinochet. Para tentar sobreviver no país que em questão de dias se tornou um dos lugares mais perigosos do mundo, Gabriel, assim como tantos outros brasileiros, se esconde na Embaixada Argentina. Enquanto isso, seu pai (Edson Celulari), um um importante empresário brasileiro, tenta negociar com os militares o retorno seguro do jovem ao Brasil.
É a partir dessa trajetória de Gabriel, desenvolvida como um suspense político, que Nascimento destrincha os emaranhados políticos do período. E o diretor é feliz em se dedicar a retratar as articulações dos poderes daquele contexto, especialmente no âmbito das alianças entre as ditaduras militares sul-americanas. Há, no entanto, um certo apelo emocional exagerado que paira por toda a obra, condenando a narrativa ao didatismo excessivo e a maioria dos personagens à falta de nuances. Destaque para Néstor Guzzini no papel de embaixador argentino, um dos únicos a conseguir modular com mais contrastes os dilemas de seu personagem.
Estreou em 26 de setembro.
MARIAS
Com direção e roteiro de Ludmila Curi, o documentário “Marias” procura apresentar ao espectador a trajetória de Maria Prestes, a mulher que ficou conhecida como segunda esposa de Luís Carlos Prestes, mas que dedicou toda sua vida à militância por liberdade e democracia, estando envolvida principalmente com a luta pela reforma agrária.
No material divulgado à imprensa, Curi compartilha sua inspiração para a obra: “Eu conheci a Maria em 2012, no meu último ano de repórter na imprensa carioca. Fiquei fascinada pela história da viúva do Prestes que eu nunca tinha ouvido falar. A trajetória de uma revolucionária que tinha atravessado grandes momentos do século XX não caberia em poucas páginas, ou minutos. Além de carregar o legado político de sua família, Maria andava na rua a falar com o povo, como o povo e sobre o povo. Ao longo desses anos, aprendi muitas coisas com ela, mas a mais importante foi que desistir não é uma opção. A luta continua, companheira”.
O filme sofre um revés, no entanto, quando Maria muda de ideia e decide não autorizar o uso das gravações de sua voz e de sua imagem. A ausência dos arquivos é sentida, claro. Mas a diretora se sai bem ao decidir continuar contando essa história entrelaçando-a às de outras mulheres que também participaram ativamente de grandes momentos do último século, como Olga Benário, Dilma Rousseff e Marielle Franco.
Estreou em 17 de outubro.
NOTÍCIAS
MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO
Acontece entre 17 e 30 de outubro a 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um dos mais tradicionais e importantes festivais de cinema do Brasil. Neste ano, o evento conta com mais de 400 filmes, de 82 países produtores diferentes, e acontece em 29 salas de cinemas, espaços culturais e CEUs espalhados pela capital paulista, incluindo exibições gratuitas e ao ar livre. Uma pequena seleção de títulos também ficará disponível gratuitamente e para todo o país nas plataformas digitais SESC Digital e Spcine Play.
Após o sucesso das exibições itinerantes da Mostra em Manaus no ano passado, filmes da seleção partem nesta 48ª edição para Belém. Pela primeira vez na capital paraense, o evento realiza exibições de longas da programação entre os dias 31 de outubro e 6 de novembro.
Já a tradicional itinerância promovida pelo Sesc por cidades paulistas ocorrerá em 10 unidades, de 15 de novembro a 15 de dezembro. Os filmes da Mostra serão exibidos nos Sesc Araraquara, Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Rio Preto, São Carlos, Birigui, Sorocaba, Jundiaí e Campinas.
Um dos principais destaques da 48ª Mostra é o cinema indiano. Cerca de 30 filmes do país compõem a programação: são longas produzidos nas mais variadas regiões da Índia, premiados nos principais festivais internacionais ou restaurados, que mostram a diversidade do país. Além das obras, diretores, atores, produtores e distribuidores da Índia participam do evento. O cartaz da Mostra 2024 , inclusive, é uma arte de Satyajit Ray que faz parte do storyboard criado pelo cineasta durante a preparação de “A Canção da Estrada" (1955), seu primeiro longa.
Outro destaque da edição é que pela primeira vez acontece a Mostrinha, uma seleção de filmes dedicada à infância e à juventude e voltada para a formação de uma nova geração de público.
Para o encerramento, em 30 de outubro, a Mostra programou uma sessão especial de “Megalópolis“, de Fran Francis Ford Coppola. O cineasta norte-americano será homenageado com o Prêmio Leon Cakoff e estará presente para recebê-lo.
Em todas as suas seções, a Mostra SP exibe títulos da nova safra do cinema latino-americano. Uma excelente oportunidade para acessar filmes que às vezes demoram demais para estrear no Brasil ou que sequer conseguem entrar no circuito comercial.
Neste ano, por exemplo, o Prêmio Humanidade vai para o cineasta e ex-Ministro da Cultura haitiano Raoul Peck, indicado ao Oscar de melhor documentário em longa-metragem em 2017 por “Eu Não Sou Seu Negro”. Dele, a Mostra exibe o inédito no Brasil “Ernest Cole: Achados e Perdidos”, longa premiado como melhor documentário no Festival de Cannes de 2024.
Já “Maria Callas”, novo trabalho do chileno Pablo Larraín, protagonizado por Angelina Jolie e lançado mundialmente no Festival de Veneza, foi o escolhido para a sessão de abertura do evento na quarta-feira, dia 16, na Sala São Paulo (há outras sessões do filme programadas durante os dias de Mostra).
Também integram a programação "Alma do Deserto", documentário da colombiana Mônica Taboada-Tapia que venceu o Queer Lion no Festival de Veneza deste ano e que deve estrear comercialmente em breve, com distribuição da Retrato Filmes; “Zafari”, novo filme da venezuelana Mariana Rondón, mesma diretora de “Pelo Malo” (estreia comercial prevista para 14 de novembro, pela Vitrine Filmes); “Sujo”, de Astrid Rondero e Fernanda Valadez (diretora de “Sin Señas Particulares”), representante do México no Oscar 2025; “Agarra-me Forte”, das uruguaias Ana Guevara e Leticia Jorge, diretoras de “Alelí”; e “Pedro Páramo”, a adaptação Netflix do clássico livro homônimo de Juan Rulfo, dirigida por Rodrigo Prieto.
Vale a pena mencionar ainda os dominicanos “Tiguere”, de José María Cabral, e “Ilha do Açúcar”, de Johanné Gómez Terrero, sobre uma adolescente que vive numa comunidade dominicano-haitiana de trabalhadores de plantações de cana-de-açúcar e enfrenta uma gravidez indesejada; “Delírio”, de Alexandra Latishev Salazar, diretora que já representou a Costa Rica no Oscar com seu longa “Medea”; e o equatoriano "Don Goyo", de Jorge Flores Velasco, já disponível na Spcine Play para todo o Brasil (com limite de visualizações).
Na programação da Mostrinha, destaque para “Fiebre”, de Elisa Eliash, uma coprodução entre Chile, Brasil e Peru.
*Os ingressos avulsos ficam disponíveis para compra 4 dias antes de cada sessão pelo aplicativo do evento e pelo site da Velox. No dia da sessão, uma pequena cota estará disponível para compra diretamente na bilheteria do cinema.
Segundas, terças, quartas e quintas: R$ 24,00 (inteira) | R$ 12,00 (meia).
Sextas, sábados e domingos: R$ 30,00 (inteira) | R$ 15,00 (meia).
Acesse o site oficial da Mostra SP para conferir a programação completa.
Contato e PIX: eraumavez.americalatina@gmail.com