ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #15
Conheça os 15 filmes latino-americanos que concorrem a uma indicação ao Oscar 2023 de Melhor Filme Internacional
Terminou em outubro o prazo para que os países interessados em disputar uma indicação ao Oscar 2023 de Melhor Filme Internacional apresentassem seus representantes. Ao todo, 15 países latino-americanos estão inscritos na competição. Desses, apenas três (Colômbia, Guatemala e Paraguai) escolheram filmes dirigidos por mulheres - dois países a menos que no ano passado.
Como de costume, os filmes selecionados traçam um amplo panorama do que tem estado em evidência nas produções da região. Neste ano, chamam atenção as produções sobre deslocamentos: Utama, da Bolívia, e Eami, do Paraguai, por exemplo, retratam deslocamentos forçados, entre outras coisas, pelas consequências das alterações climáticas. Já Domingo y la Niebla, da Costa Rica, e Los Reyes del Mundo, da Colômbia, focam na violência criminosa com que pessoas do continente são espoliadas de suas terras.
Destaque também para Gabriel Martins, que fez história ao tornar-se o primeiro diretor negro a ter um filme escolhido para representar o Brasil no Oscar; para o Peru, que compete com uma fantasia cientifica sem diálogos, gênero cinematográfico raro por estas bandas; e para a Argentina, que levou multidões aos cinemas mesmo com um filme lançado em streaming.
Uma lista reduzida de 15 pré-finalistas será anunciada em 21 de dezembro, e as cinco indicações finais serão divulgadas em 24 de janeiro, junto dos indicados das demais categorias. A cerimônia do Oscar acontece em 12 de março.
Conheça, a seguir, um pouco mais sobre cada um dos filmes latino-americanos selecionados por seus países:
ARGENTINA - Argentina, 1985 (Santiago Mitre)
Dirigido por Santiago Mitre, “Argentina, 1985” faz uma reconstrução histórica ficcionalizada de todo o processo que levou o promotor Julio César Strassera (Ricardo Darín), seu braço direito e promotor adjunto Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani) e uma jovem e inexperiente equipe de advogados a conseguirem reunir provas e testemunhas para fazer com que, pela primeira vez na História universal, um tribunal civil julgasse e condenasse uma ditadura militar.
No início de novembro, com cinco semanas em cartaz, o filme superou a marca de um milhão de espectadores na Argentina. Mesmo estando disponível no Prime Video desde 21 de outubro e mesmo sem ter entrado na programação de quatro das principais redes de cinema do país.
Houve um impasse entre as grandes redes de cinema e o Prime Video, principal financiador do projeto, sobre a janela de exibição. De um lado, as redes pediam para que houvesse mais tempo de distância entre a estreia do filme nas salas e sua chegada ao streaming. Mais tempo de exibição exclusiva para os cinemas, portanto. Do outro, o Prime Video não aceitou trocar a data de lançamento na plataforma. A exibição do filme nos cinemas então deixou de parecer um bom negócio para essas redes maiores. Restaram os circuitos mais independentes e os cinemas públicos.
Mas nem o impasse na distribuição impediu que “Argentina, 1985” se convertesse num fenômeno: essa é a primeira vez nos últimos dois anos e meio que um filme nacional alcança tal número de espectadores nos cinemas do país. Em La Nacion e Otros Cines.
BOLÍVIA - Utama (Alejandro Loayza)
Considerado um drama ecológico, “Utama” (palavra quechua que significa “nossa casa”), primeiro longa-metragem do diretor boliviano Alejandro Loayza, venceu o prêmio do júri de Melhor Drama Internacional no Festival de Sundance deste ano. Trata-se de uma coprodução entre Bolívia, Uruguai e França que pretende discutir globalização, crise climática e pertencimento a partir dos impactos sofridos por comunidades tradicionais.
Como protagonistas, um casal de octogenários quechuas que enfrentam uma seca devastadora no Altiplano boliviano e são incentivados pelo neto que vem de visita a, pela primeira vez na vida, pensar sobre migrar para a cidade.
“‘Utama’ é uma história sobre um dos lugares mais sub-representados da Terra, mas também é uma história universal, que poderia desenvolver-se em qualquer comunidade que enfrenta similares problemas sociais e ambientais”, resumiu Loayza na apresentação do filme em Sundance. De acordo com o diretor, há também no filme um olhar sobre as diferenças geracionais na Bolívia, país onde a maioria da população tem raízes indígenas. Em Infobae
Sem previsão de estreia comercial no Brasil.
BRASIL - Marte Um (Gabriel Martins)
“Marte Um” é definitivamente um marco do cinema nacional: pela primeira vez, um filme de um diretor preto representará o Brasil no Oscar. Além disso, é a primeira vez que o talentoso Gabriel Martins dirige sozinho um longa-metragem.
Produzido graças a um fundo público de 2016 voltado para diretores negros e narrativas de temática negra, com o intuito de levar às telas cineastas de grupos minoritários, o filme conta a história de sonhos e perrengues dos Martins, uma família preta e de classe média baixa da periferia de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte.
Ler mais sobre o filme na edição #13
Em cartaz nos cinemas e já disponível para aluguel nas operadoras de TV.
CHILE - Blanquita (Fernando Guzzoni)
Fernando Guzzoni tem definido “Blanquita” como “um thriller político que reflete sobre a impunidade e a injustiça estrutural em nossas sociedades”.
Inspirado no Caso Spiniak, que tomou os noticiários chilenos no fim de 2003, o filme tem como personagem-título uma garota que viveu muitos anos na rua, passou por diversos abrigos para menores e, apoiada pelo padre responsável por um desses abrigos, se transformou em principal testemunha de um escândalo envolvendo abusos sexuais de crianças, políticos, empresários e drogas.
Há uma história para ser denunciada, mas essa não é a história de Blanquita. Por que, então, a jovem decide assumir para si e sustentar por vários meses, diante de juízes, imprensa e opinião pública, a versão de que era uma sobrevivente de uma rede de pedofilia?
“Blanquita” foi vencedor do prêmio de melhor roteiro na seção Horizontes do Festival de Veneza e integrou a programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ainda não há previsão de estreia comercial no Brasil.
COLÔMBIA - Los Reyes del Mundo (Laura Mora)
Violência, espoliação de terras e infância perdida são temas centrais em “Los Reyes del Mundo”, de Laura Mora (mesma diretora de Matar a Jesus).
No filme, um garoto que vive pelas ruas de Medellín recebe a notícia de que as terras que foram violentamente espoliadas de sua falecida avó serão devolvidas pelo Estado a ele. O jovem então reúne seu grupo de amigos e parte em busca da oportunidade de deixar os maus tratos e humilhações das ruas para viver com dignidade em um pedaço de terra próprio.
Com formato de filme de estrada, Los Reyes del Mundo acompanha a jornada de busca por uma terra prometida. No caminho, as experiências desses jovens que vivem às margens, atravessados por muita brutalidade, mas também por sonhos e algumas comoventes demonstrações de união e solidariedade, revelam nuances de uma Colômbia fraturada pelo conflito armado.
Vencedor do prêmio de melhor filme no Festival de San Sebastián e exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Disponível a partir de 4 de janeiro na Netflix.
COSTA RICA - Domingo y la Niebla (Ariel Escalante Meza)
A casa do viúvo Domingo, localizada nas montanhas tropicais da Costa Rica, está prestes a ser desapropriada para a construção de uma estrada. A empreiteira responsável pela obra oferece acordos em dinheiro para que todos os moradores da região deixem suas casas, e coloca pistoleiros para aterrorizar aqueles que decidem não ceder.
Mesmo consciente dos riscos, vendo todos os vizinhos partindo ou morrendo, Domingo se recusa a abrir mão de suas terras. Acontece que ali, na casa onde passou toda uma vida, ele recebe visitas da névoa que pensa ser a presença de sua falecida esposa, o único conforto para sua angústia existencial.
O filme foi exibido na seção Um Certo Olhar do Festival de Cannes, no Festival de Toronto e integrou a programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Sem previsão de estreia comercial no Brasil
EQUADOR - Lo invisible (Javier Andrade)
Luisa, de 45 anos, volta de um centro psiquiátrico após uma grave depressão pós-parto. De repente, sua enorme e bonita casa torna-se um novo lugar de confinamento. Cercada pela família e por uma equipe de empregados, mas esvaziada de afeto e exaurida pelas exigências da maternidade, ela se esforça para manter seus surtos despercebidos.
A protagonista é interpretada por Anahí Hoeneisen, que também assina o roteiro, em parceria com o diretor Javier Andrade.
Exibido na 32ª edição do festival Cine Ceará. Sem previsão de estreia comercial no Brasil.
GUATEMALA - El Silencio del Topo (Anäis Taracena)
Nos anos 1970, o jornalista e poeta Elías Barahona se infiltrou, como espião, no coração de um dos governos mais repressivos da história da Guatemala. Tornou-se Secretário de Imprensa do governo e filtrou informações valiosas para salvar a vida de dissidentes perseguidos pelo regime militar.
Em 2014, Barahona foi chamado para testemunhar em julgamento sobre o incêndio na embaixada da Espanha em 1980, que matou 37 pessoas e foi provocado por agentes do Estado guatemalteco. Ninguém esperava, no entanto, que o jornalista fosse romper ali seu silêncio de décadas, finalmente trazendo a público informações que havia recolhido como espião.
Anäis Taracena estava presente no julgamento e filmou o testemunho. Mais tarde, no mesmo dia, ela entrevista Barahona sobre a vida durante e depois daqueles anos de espionagem. Duas semanas depois, Elías Barahona falece.
A partir daí, esses registros da diretora vão se juntando a outros documentos e testemunhos que cruzam a trajetória do jornalista com a história secreta do país. O resultado é um filme que revela a importância da preservação dos registros audiovisuais e que luta pela manutenção de memórias nacionais que se perderam com o tempo.
Exibido na edição 2022 do Festival É Tudo Verdade. Sem previsão de estreia comercial no Brasil.
MÉXICO - Bardo, Falsa Crónica de Unas Cuantas Verdades (Alejandro González Iñárritu)
Um renomado jornalista e documentarista mexicano que mora há muitos anos nos EUA volta a seu país natal para receber um prêmio e acaba experimentando uma crise existencial enquanto luta com sua identidade, com as relações familiares, com a loucura de suas lembranças, com seus sentimentos conflituosos em relação ao México.
Controverso entre a crítica especializada, “Bardo, Falsa Crónica de Unas Cuantas Verdades” tem sido considerado o trabalho mais pessoal de Iñárritu.
Disponível a partir de 16 de dezembro na Netflix.
PANAMÁ - Cumpleañero (Arturo Montenegro)
Jimmy decide passar seu aniversário numa casa de praia com a esposa e os amigos. No meio da comemoração, porém, ele, recém-diagnosticado com uma doença degenerativa, revela querer tirar a própria vida.
De acordo com Arturo Montenegro, diretor e roteirista do filme, “Cumpleañero” coloca sobre a mesa temas que geralmente são negligenciados, questionando até que ponto é possível aceitar as vontades de alguém querido e explorando os estigmas que rodeiam a eutanásia.
Sem previsão de estreia no Brasil.
PARAGUAI - Eami (Paz Encina)
De Paz Encina, mesma diretora do consagrado Hamaca Paraguaya (2006), “Eami” é ambientado no Chaco paraguaio, uma das regiões com maior índice de desmatamento do planeta, e trata da destruição provocada nos modos de vida das comunidades indígenas locais pela expansão da fronteira agrícola e pecuária.
Misturando fábula e etnografia, o filme conta a história de Eami, uma garotinha do povo indígena ayoreo-totobiegosode que vê sua aldeia ser destruída e sua comunidade desintegrada. Ela sabe que deve deixar tudo para trás e partir para não morrer, mas vagueia pela floresta em busca do que sobrou do mundo que conhecia.
Acompanhada por seus amigos animais e escutando a voz de seus avós, a personagem condensa mitos da cultura ayoreo-totobiegosode e carrega consigo memórias do passado, do presente e do futuro.
Sem previsão de estreia no Brasil
PERU - El Corazón de la Luna (Aldo Salvini)
O peruano “El Corazón de la Luna” estreou internacionalmente no SCI-FI London Film Festival em outubro de 2021, onde recebeu o prêmio de melhor longa-metragem. De acordo com a organização do evento, "este extraordinário filme sem diálogos é um drama de fantasia sobre o desamparo”.
Na história, M (Haydeé Cáceres), uma mulher idosa sem lar, decide compartilhar suas memórias mais nostálgicas com um ser tão solitário quanto ela: uma formiga. Até que um dia aparece em sua vida, com a missão de salvá-la, um "robô da guarda”.
Sem previsão de estreia no Brasil.
REPÚBLICA DOMINICANA - Bantú Mama (Ivan Herrera)
Apresentado em seu material de divulgação como um conto urbano contemporâneo sobre um diferente reencontro entre África e Caribe, “Bantú Mama” tem como protagonista Emma (Clarisse Albrecht), uma franco-camaronesa que consegue escapar depois de ter sido presa na República Dominicana.
Foragida, Emma se esconde em Capotillo, bairro mais perigoso de Santo Domingo. Ali, ela é acolhida por um grupo de crianças e acaba sendo adotada por elas como figura materna.
Trata-se de um filme que pretende falar de identidade e geografia ao tangenciar a história da diáspora africana no Caribe a partir das particularidades dominicanas.
Bantú Mama estreou no Brasil na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e ainda não tem previsão de lançamento comercial.
URUGUAI - El Empleado y el Patrón (Manuel Nieto Zas)
No uruguaio “El Empleado y el Patrón”, dois jovens protagonizam a trama. Um deles é herdeiro de uma grande fazenda de soja na fronteira entre Uruguai, Brasil e Argentina e se divide entre cuidar dos negócios e tentar encontrar um diagnóstico para a saúde debilitada de seu bebê. O outro tem 18 anos e aceita trabalhar na fazenda para poder sustentar sua família. Um acidente no trabalho amarra o destino desses dois homens.
Disponível no catálogo da Netflix
VENEZUELA - La Caja (Lorenzo Vigas)
Em 2015, com Desde Allá, seu primeiro longa-metragem, o venezuelano Lorenzo Vigas ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza, tornando-se o primeiro latino-americano a receber o principal prêmio do evento. O filme também foi representante da Venezuela no Oscar 2017.
Agora, o diretor volta a representar seu país de origem na mais importante premiação do cinema mundial com “La Caja”, seu segundo longa de ficção.
Rodado no México, onde Vigas vive há mais de 20 anos, e também exibido em Veneza, La Caja conta a história de Hatzín, um adolescente da Cidade do México que viaja para o noroeste mexicano a fim de recuperar os restos mortais do pai, encontrados em uma vala comum.
Durante a viagem, porém, Hatzín (Hatzín Navarrete) encontra um homem muito parecido com o pai supostamente morto. A partir desse encontro, o garoto se vê diante dos mistérios dos restos humanos no país - com foco nas vítimas da pobreza, do crime, da exploração de mão de obra barata.
Sem previsão de estreia comercial no Brasil.