ERA UMA VEZ NA AMÉRICA LATINA #24
A Ereção de Toribio Bardelli, representante peruano no Oscar 2024/ Animação Vicenta na MUBI/ Filme brasileiro desaparecido é exibido na Cinemateca/ Os primeiros lançamentos da Sessão Vitrine Petrobras
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CRÍTICA: A EREÇÃO DE TORIBIO BARDELLI
O título é bastante sugestivo: A Ereção de Toribio Bardelli (La Erección de Toribio Bardelli), candidato do Peru ao Oscar 2024, tem como protagonista um viúvo (Gustavo Bueno) deprimido que tenta escapar das amarguras do luto vivido pela perda recente da esposa se entupindo de remédios para conseguir voltar a ter relações sexuais.
Seus três filhos também vivem o luto cada um à sua maneira. Silvestre (Rodrigo Sánchez-Patiño), um ator frustrado, se entrega à bebida e negligencia seu recente transplante de coração. Luz (Michele Abascal), uma jornalista frustrada, sofre por um relacionamento secreto e pouco promissor. E a mais nova, Sara (Gisela Ponce de León, protagonista do sucesso de bilheteria Soltera Codiciada, disponível na Netflix), acaba de perder, além da mãe, o emprego, a casa e seu cão-guia.
São um tanto disfuncionais e solitários em suas próprias misérias os Bardelli. Há a obsessão patética de Toribio por ereções, o desespero do filho mais velho por uma figura materna, os desabafos sobre falta de afeto e reconhecimento feitos por Luz em seu gravador de voz e as frequentes desventuras de Sara.
Tudo isso é exposto de maneira tragicômica pelo diretor e roteirista Adrián Saba, que decide contar a “jornada de ascensão e queda de Toribio Bardelli” a partir da reunião da família nesse processo de luto.
Então, da convivência forçada entre um pai ranzinza e desgostoso e filhos adultos e medianos que não têm a menor ideia do que estão fazendo com suas vidas é que o filme consegue algumas boas cenas de humor. Um humor agradável, despretensioso, que entretém, embora a certa altura se torne bastante repetitivo.
Rodado pelo centro de Lima, A Ereção de Toribio Bardelli comove e diverte abordando de maneira escrachada como o sentimento de incompletude causado por uma morte pode abalar as estruturas de uma família.
No fim, o longa ganha pontos ao acertar o tom entre a dor e as pequenas alegrias de personagens tão desesperançosos. Por outro lado, a história perde força nas repetições e ao não se aprofundar nos dramas e contradições dos filhos de Toribio.
A Ereção de Toribio Bardelli é uma coprodução entre Peru e Brasil e conta com participação especial da atriz Lucélia Santos.
Visto na 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ainda sem previsão de estreia comercial no Brasil.
NOS CINEMAS
Incompatível com a Vida
No início da pandemia de Covid-19, a documentarista Eliza Capai (Espero Tua (Re)volta, 2019) enfrentou uma gravidez complicada. Esse processo foi registrado por ela em gravações bastante íntimas e honestas e a motivou a procurar histórias de outras mulheres que passaram por experiências semelhantes.
Nasce assim o documentário Incompatível com a Vida, no qual Capai discute o direito de escolha ao aborto no Brasil a partir de experiências de mulheres que interromperam a gravidez ou seguiram a gestação de fetos diagnosticados como incompatíveis com a vida.
“Ao passar por esta situação, me dei conta de uma crueldade ainda maior da lei que criminaliza o aborto no Brasil. Que mesmo mulheres que desejavam seus filhos, ao se verem gestando um bebê que infalivelmente morreria nos primeiros minutos ou horas de vida extrauterina, são obrigadas a levar a gestação a cabo. Para mim, seria uma forma de tortura, tanto para mim, quanto para o meu filho, levar a gestação a cabo”, conta a diretora em nota divulgada à imprensa .
Incompatível com a Vida foi eleito Melhor Documentário Brasileiro do festival É Tudo Verdade 2023, publicado pelo NY Times e está qualificado para tentar uma indicação ao Oscar 2024.
Em depoimento para a Revista Piauí, Eliza Capai escreveu sobre a decisão de filmar seu aborto. Vale a leitura. Link aqui
PARA ASSISTIR EM CASA
FILMICCA
Veneno para as Fadas
Considerado um clássico do cinema mexicano e do horror, Veneno para as Fadas, de 1986, foi o último filme lançado de Carlos Enrique Taboada (mesmo roteirista de O Espelho da Bruxa, recomendado na Edição #18). Nele, duas pequenas amigas que acreditam em histórias fantásticas esbarram no macabro quando decidem recorrer à bruxaria para preparar um veneno para as fadas.
MUBI
Vicenta
Dirigido por Darío Doria, o documentário em animação Vicenta recupera, através de arquivos jornalísticos e processos judiciais, a história de uma mãe, pobre e analfabeta, que em 2006, quando a descriminalização do aborto na Argentina ainda era uma conquista distante, precisou enfrentar todo tipo de situações absurdas para que sua filha, uma adolescente com deficiência intelectual, vítima de um estupro, tivesse seu direto ao aborto respeitado.
Escrevi mais sobre Vicenta na edição #12
Nuestra Voz de Tierra, Memoria y Futuro
Dirigido por Marta Rodríguez (uma das pioneiras do documentário latino-americano) e seu marido Jorge Silva, o documentário colombiano Nuestra Voz de Tierra, Memoria y Futuro, de 1981, acompanha cinco anos de experiências com o grupo indígena andino Coconuco para expor sua difícil realidade no mundo moderno. O filme tem como foco o processo que vai da submissão à organização e luta pela manutenção de sua cultura.
Disponível na MUBI a partir de 24/11.
NETFLIX
Temporada de Furacões
Temporada de Furacões é ambientado na ficcional La Matosa, uma esquecida comunidade rural mexicana onde nada de bom acontece. Quando o filme começa, a bruxa do povoado é encontrada morta, assassinada. Aquela odiada por todos e procurada por mulheres que precisam de ajuda. A que vive às margens do que já é margem.
Dividido em alguns curtos capítulos, o filme avança apresentando, um por um, cada personagem que de alguma maneira está envolvido no assassinato da bruxa. É traçado através desses personagens, portanto, um panorama das dinâmicas de miséria, violências e machismo de La Matosa, o povoado amaldiçoado às vésperas da temporada dos furacões.
Temporada de Furacões é uma adaptação do livro homônimo de Fernanda Melchor, finalista do International Booker Prize 2020, e tem direção de Elisa Miller, primeira mexicana a ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes.
Retratos Fantasmas
Entre a autoficção e o documentário, Kleber Mendonça Filho trata das mudanças geográficas enfrentadas pelo centro do Recife ao longo dos anos a partir de sua relação com as salas de cinema que movimentavam a região durante o século XX, com a casa de sua família e com seu próprio fazer cinema.
Retratos Fantasmas é o representante brasileiro na disputa por vaga de Melhor Filme Internacional no Oscar 2024 e ultrapassou os 80 mil espectadores antes de chegar à Netflix.
Elena Sabe
Baseado no livro homônimo de Claudia Piñero e protagonizado por Mercedes Morán e Érica Rivas, o argentino Elena Sabe chega à Netflix em 24 de novembro. Na trama, uma mãe (Morán) em estado avançado de Parkinson busca por conta própria respostas sobre a morte repentina da filha (Rivas).
“Adaptar a história de Claudia Piñeiro foi um enorme desafio que resultou em um thriller, em um drama familiar e também em um filme fantástico”, declarou a diretora Anahí Berneri em comunicado para a imprensa.
NOTÍCIAS
BILHETERIA NACIONAL
Lançada em 2 de novembro, “Mussum, O Filmis”, a cinebiografia de Sílvio Guindane sobre o humorista, ator e músico Mussum, é atualmente o maior lançamento nacional de 2023. Em seu primeiro dia em cartaz, o filme protagonizado por Ailton Graça vendeu mais de 32 mil ingressos. Em Ingresso.com
Já “Nosso Sonho - A História de Claudinho & Buchecha”, também uma cinebiografia, é atualmente o filme brasileiro de maior bilheteria do ano. O longa, que acompanha a trajetória da dupla que fez sucesso popularizando o funk melody, ultrapassou a marca de mais de 400 mil espectadores nos cinemas de todo Brasil.
O TERROR ARGENTINO DO ANO
Do argentino Demián Rugna, mesmo diretor do popular Aterrados, de 2017, Cuando Acecha la Maldad tem sido considerado o filme de horror mais perturbador do ano e causado um burburinho.
Entre as críticas publicadas no site RottenTomatoes, o filme possui 99% de avaliações positivas. Além disso, o longa recebeu o prêmio de Melhor Filme no Festival de Sitge, principal evento de cinema fantástico a nível mundial, tornando-se assim o primeiro filme latino-americano a vencer o festival.
Os números também surpreendem: nos EUA, Cuando Acecha la Maldad estreou em mais de 600 salas de cinema. Na Argentina, o filme teve a melhor estreia nacional do gênero terror da história, com mais de 40 mil ingressos vendidos no primeiro final de semana.
A trama é ambientada num remoto povoado rural argentino, onde existe uma maldição à espreita. Quando dois irmãos descobrem um homem possuído e tentam alertar a comunidade, o demônio espalha implacável seu rastro de maldade, loucura e destruição.
“Enquanto escrevia, queria contar uma história que se atrevesse a tudo, uma história de terror que não perdoa ninguém, que é dura e um pouco como o mundo que nos rodeia às vezes”, comentou Rugna ao site Infobae.
MAR DEL PLATA
O longa peruano Kinra foi o grande vencedor da competição internacional da 38ª edição do Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata, na Argentina, um dos mais importantes festivais de cinema da América Latina. Dirigido por Marco Panatonic, o filme, falado em quechua, conta uma história de imigração do campo para a cidade.
Entre os premiados também se destacam o chileno Otro Sol, de Francisco Rodríguez Teare, considerado melhor filme da competição latino-americana, e o brasileiro O Dia que te Conheci, de André Novais Oliveira, vencedor do Prêmio Especial do Júri da competição latino-americana.
Durante o evento, trabalhadores do cinema argentino voltaram a se manifestar em defesa do cinema nacional (ler edição #20), duramente ameaçado por Javier Milei, candidato da extrema-direita à Presidência da República. Dessa vez, a manifestação aconteceu através da publicação de um vídeo do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (Incaa). Com fragmentos de diversos filmes argentinos e narração do ator Ricardo Darín, o vídeo procura conscientizar sobre a importância de um organismo que estimule a produção cinematográfica local. Em La Voz
PRIMEIRO FILME RODADO NA AMAZÔNIA É ENCONTRADO NA REPÚBLICA TCHECA E EXIBIDO NA CINEMATECA BRASILEIRA
Em 22 de novembro, às 20h, a Cinemateca Brasileira exibe o recém-descoberto filme “Amazonas, o Maior Rio do Mundo”, dirigido pelo cineasta e fotógrafo luso-brasileiro Silvino Santos (1886-1970) e considerado o primeiro longa-metragem filmado na Amazônia.
O documentário de 1918 era dado como desaparecido desde meados dos anos 1930 e foi reencontrado, no início deste ano, no Národní Filmový Archiv (Arquivo Nacional de Cinema da República Tcheca).
Nele, Silvino Santos registra as regiões percorridas pelo rio Amazonas, seus afluentes, confluentes, sua flora, fauna, seus habitantes - incluindo algumas das primeiras imagens em movimento conhecidas do povo indígena Uitoto - e mostra as indústrias extrativas da região: borracha, castanha-do-pará, madeira, pesca e penas de garça.
Até o fim do ano, o filme será exibido no Rio de Janeiro, na Cinemateca do MAM, em João Pessoa, Fortaleza e Manaus.
1º BONITO CINESUR
Foi realizada entre os dias 4 e 11 de novembro, no Centro de Convenções e na Câmara Municipal da cidade de Bonito, Mato Grosso do Sul, a 1ª edição do “Bonito Cinesur - Festival de Cinema Sul-americano”.
Na programação, o evento apresentou uma seleção diversa de curtas e longas sul-americanos e longas sul-mato-grossenses. El Visitante, de Martín Boulocq, representante da Bolívia no Oscar 2024, foi considerado pelo júri internacional o melhor longa-metragem sul-americano do festival. Já o peruano La Pampa, de Dorian Fernández Moris, sobre exploração de mulheres na Amazônia, ficou com o prêmio de melhor longa sul-americano pelo júri popular.
Em nota divulgada para a imprensa, o curador da Mostra de filmes sul-americanos de longa e curta-metragem, José Geraldo Couto, afirma que “a importância deste novo festival é enorme, por tornar a cidade de Bonito (e o estado do Mato Grosso do Sul) um polo importante de difusão e debate da produção cinematográfica contemporânea do continente. O MS está praticamente no centro da América do Sul, fazendo fronteira com a Bolívia e o Paraguai, o que faz dele uma região particularmente apropriada para a veiculação de obras e o intercâmbio de experiências dos realizadores cinematográficos do continente.”
DIVULGADOS OS PRIMEIROS TÍTULOS DA SESSÃO VITRINE PETROBRAS
Um dos principais projetos de distribuição de longas nacionais dos últimos anos, a Sessão Vitrine Petrobras (ler sobre a retomada do projeto na edição #22) volta aos cinemas em 23 de novembro com uma cópia digitalizada do clássico “Durval Discos”, de Anna Muylaert. Pela primeira vez, portanto, o projeto também relançará filmes consagrados e digitalizados.
“Ao incluir filmes de patrimônio nesta nova etapa da Sessão Vitrine, promovemos o resgate da memória audiovisual nacional e favorecemos a formação de uma cultura cinematográfica baseada em referências brasileiras, ação essencial para a valorização do nosso cinema", explicou Débora Butruce, curadora de filmes de patrimônio. Em breve, outros títulos consagrados do cinema brasileiro serão submetidos ao mesmo processo de “Durval Discos”.
No dia 14 de dezembro, estreia o inédito “Propriedade”, um suspense dramático sobre o choque entre grupos de diferentes classes sociais. Já a animação "Bizarros Peixes das Fossas Abissais" estreia em janeiro de 2024, com direção do premiado diretor de curtas de animação Marão e uma história que acompanha três personagens em uma jornada até as profundezas do oceano: uma mulher com superpoderes excêntricos, uma tartaruga com transtorno obsessivo-compulsivo e uma nuvem com incontinência pluviométrica.
Em fevereiro é a vez de “Sem Coração”, adaptação do curta-metragem homônimo de 2014 que retoma a parceria na direção de Nara Normande e Tião. Filme vencedor do prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Cinema na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Para Talita Arruda, que assina a curadoria da seleção, “esta volta da Sessão Vitrine Petrobras celebra não só os filmes, mas também os públicos dos cinemas brasileiros. Precisamos caminhar em uníssono em prol do crescimento industrial do nosso audiovisual, através das políticas para o setor e em diálogo com nossas audiências finais. O recorte curatorial desta retomada busca evidenciar as forças e pluralidades dos nossos cinemas através de seus protagonismos, corpos, territorialidades, gêneros e pontos de vista e, assim, alcançar diferentes espectadores e fortalecer a presença do cinema brasileiro no circuito de exibição.”
As exibições da Sessão Vitrine Petrobras acontecem em mais de 20 cidades do país, com um lançamento por mês, e têm ingressos vendidos a preços reduzidos. Algumas das sessões são acompanhadas por debates.
Em breve serão divulgados os próximos filmes a serem lançados.
Circuito Exibidor Previsto: Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Maceió, Manaus, Niterói, Palmas, Porto Alegre, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória.
Contato e PIX: eraumavez.americalatina@gmail.com